O Governo Federal anunciou nesta quarta-feira (15/1) o revogação de portaria que ampliou o escopo da fiscalização da Receita Federal sobre transações financeirasduas semanas depois de entrar em vigor.
Além dos bancos tradicionais, que desde 2003 já enviam ao fisco informações consolidadas sobre as movimentações financeiras dos clientes, bancos digitaisaplicativos de pagamento e outros fintechs eles também teriam que começar a relatar os dados.
Uma onda de desinformação em torno da nova medida, porém, com a circulação de notícias falsas de que o Pix seria taxado e seria monitorado diariamente pela Receita, levou à Governo Lula recuar.
O Pix é um mecanismo de transferência de dinheiro em tempo real que foi introduzido por Banco Central no Brasil em 2020.
Desde então, popularizou-se e tornou-se um dos principais meios de pagamento do país. Em 2024, movimentou R$ 26,4 trilhões, crescimento de 54,6% em relação ao ano anterior e recorde no volume transferido, segundo dados divulgados pelo BC nesta quinta-feira (16/1).
Entenda a seguir como essa crise foi desencadeada — e como ela se desenrolou nas últimas semanas.
18 de setembro de 2024: o anúncio
Nesta data, o Diário Oficial da União publicou o Instrução Normativa da Receita Federal 2.219/24.
Este é o documento que detalha as mudanças que ampliaram o perfil das instituições que agora teriam que reportar informações à Receita e acabaram gerando polêmica.
Antes da atualização regulatória, os bancos tradicionais e algumas outras instituições financeiras enviavam ao Fisco informações sobre transações de clientes pessoas físicas superiores a R$ 2 mil, considerando todos os tipos de operações, inclusive o Pix. Para pessoas jurídicas, o valor foi de R$ 6 mil.
A norma revogada atualizou esses valores para R$ 5 mil, no caso de pessoas físicas, e para R$ 15 mil, no caso de pessoas jurídicas, e ampliou a lista de instituições que deveriam reportar à Receita.
As informações enviadas ao Fisco foram e continuarão protegidas pelo sigilo bancário e apresentadas de forma consolidada, sem detalhamento do tipo de operação realizada, origem ou natureza das despesas incorridas.
1º de janeiro de 2025: a regra entra em vigor
A RN 2.219/24 da Receita Federal entrou em vigor em todo o país na virada do ano.
A partir daí, os primeiros rumores e fake news sobre um possível “imposto Pix” começaram a ganhar força nas redes sociais.
7 de janeiro: Receita publica primeiro negação
O Ministério das Finanças divulgou um artigo em que prestou esclarecimentos sobre as novas regras, esclarecendo que a norma “não implicou qualquer aumento de tributação”.
Segundo o texto, a medida visava “uma melhor gestão de riscos por parte da administração tributária, a partir da qual será possível oferecer melhores serviços à sociedade, em absoluto respeito às normas legais do sigilo bancário e fiscal”.
“Os dados recebidos poderiam, por exemplo, ser disponibilizados na declaração de Imposto de Renda Pessoa Física pré-preenchida do próximo ano, evitando discrepâncias”.
O Ministério da Fazenda explicou que, “quando uma pessoa transfere sua conta para terceiro, seja enviando um Pix ou realizando uma operação do tipo DOC ou TED, ela não se identifica […] para quem ou em que qualidade esse valor individual foi enviado”.
“Ao final de um mês, são somados todos os valores que sobraram da conta, inclusive os saques e, caso seja ultrapassado o limite de R$ 5 mil para pessoa física, ou de R$ 15 mil para pessoa jurídica, a instituição financeira fornecerá essa informação para da Receita Federal”.
9 de janeiro: vídeo falso e depoimento de Haddad
Um vídeo falso, feito por inteligência artificial, simulou uma suposta fala do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
No conteúdo falso, que teve grande repercussão nas redes sociais, sua voz e o movimento dos lábios foram alterados, para dar a impressão de que Haddad anunciava a criação de uma série de novos impostos — sobre cães e gestantes, por exemplo.
A Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a enviar uma notificação extrajudicial ao Facebook para que o vídeo falso fosse retirado do ar.
“A postagem, manipulada por meio de inteligência artificial, contém informações fraudulentas e atribui ao ministro declarações inexistentes sobre a criação de um imposto sobre animais de estimação e pré-natal”, destaca a notificação da AGU.
Nesse mesmo dia, o próprio Haddad publicou um vídeo nas redes sociais em que desmentia os boatos, inclusive sobre o monitoramento de contas bancárias.
“Imposto sobre Pix. Mentira. Imposto sobre quem compra dólar. Mentira. Imposto sobre quem tem animal de estimação. Mentira”, diz.
“As fake news prejudicam a democracia e trazem uma série de inseguranças às pessoas. Então fique atento, deixe as mentiras de lado”, finalizou o ministro.
10 de janeiro: Lula se manifesta
Um dia depois, foi a vez do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fazer novos esclarecimentos e desmentidos.
Para isso, ele publicou um vídeo em que ele mesmo fez um Pix para a campanha de arrecadação que visa quitar a dívida da construção da Arena NeoQuímica, o Estádio do Corinthians.
“Por que tomei essa decisão? Porque tem havido uma quantidade enorme de mentiras desde ontem em todas as redes sociais dizendo que o governo vai tributar o Pix. E quero provar que é mentira”, afirmou.
13 de janeiro: Bolsonaro entra em cena
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) começou a fazer uma série de postagens no X (antigo Twitter) sobre o Pix.
Ele lembrou que a ferramenta foi criada durante seu governo e classificou as mudanças na fiscalização como “covardia com os mais pobres”.
“Além dos diaristas, vendedores ambulantes, cabeleireiros, jardineiros, pedreiros, taxistas, palhaços de festa, ajudantes de filhos/netos, vendedores de pipoca, etc., poderão ser obrigados a entregar parte de seus rendimentos ao Imposto de Renda”, escreveu. Bolsonaro.
O ex-presidente afirmou ainda que entraria em contato com o grupo de deputados e senadores do PL, e de outros partidos, em busca de “medidas para derrubar essa instrução normativa desumana”.
14 de janeiro: vídeo de Nikolas e mudança de ministro
Um vídeo sobre o debate publicado no Instagram pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) viralizou nas redes sociais —atualmente conta com mais de 286 milhões de visualizações no Instagram.
Ferreira criticou o aumento da fiscalização da informação bancária e a qualidade dos serviços públicos mantidos com o dinheiro dos impostos, como saúde e educação.
Embora diga que “o Pix não será tributado”, o deputado federal lembra que “a compra da China não seria tributada, e foi”.
Ele também declarou que “não tem dúvidas” de que o Pix poderá sofrer algum tributo no futuro.
Nesse mesmo dia, o publicitário Sidônio Palmeira tomou posse como novo ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom).
Ele substituiu o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), que ocupava o cargo desde o início do terceiro governo Lula.
Em discurso durante o evento, Palmeira lamentou que os “avanços [do governo] nem sempre são percebidos por uma parcela da população” e citou “mentiras em ambientes digitais”.
15 de janeiro: o fim antecipado
Depois de toda a repercussão das últimas semanas, Haddad e Robinson Barreirinhas, secretário da Receita Federal, anunciaram que o governo revogou a norma da Receita Federal.
O ministro detalhou ainda que o presidente Lula assinará uma medida provisória (MP) para garantir que as transações via Pix não sejam tributadas.
“O ato que Barreirinhas acaba de anunciar é justamente para dar força à tramitação de uma MP que o presidente está prestes a assinar […] o que reforça os princípios tanto da não oneração e da gratuidade do Pix, quanto de todas as cláusulas de sigilo bancário que cercam o Pix”, disse Haddad.
Disse ainda que o assunto foi “objeto de exploração” por parte de pessoas que, na sua opinião, “estão cometendo um crime”.
“Porque quando você desacredita um instrumento público, você está cometendo um crime”, argumentou o ministro.
“O dano causado é feito por essas pessoas sem escrúpulos, incluindo senadores e deputados, agindo contra o Estado. Essas pessoas vão ter que responder pelo que fizeram, mas não queremos contaminar o avanço do deputado no Congresso”, acrescentou Haddad.
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