“Amigo, se eu comprar essa semana, serei taxado?”
“Se a tributação for aprovada, continuarei comprando da Shein?”
Uma pesquisa rápida em TikTok revela a preocupação de consumidores de marcas populares na internet, como a varejista chinesa Shein, com um projeto de lei que pretende tributar em 20% as compras internacionais de até US$ 50 (R$ 265) — o que já foi apelidado de “imposto sobre blusas”. ”
Nesta quarta-feira (05/06), a preocupação deu mais um passo rumo à implementação: um projeto que prevê tributação foi aprovado no Senado e, conforme foi alterado na Câmara, terá que voltar para votação na Câmara dos Deputados.
Depois, se aprovado, o texto segue para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para aprovação ou veto.
Afinal, quanto custará a blusa se o imposto for aprovado?
João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), detalha os cálculos abaixo.
Quanto fica o preço da blusa com o novo imposto?
Atualmente, compras internacionais de varejistas on-line no valor de até US$ 50, incluindo frete e outros encargos, estão isentas de impostos de importação.
Mas, apesar da isenção federal, as mercadorias pagam um imposto arrecadado pelos Estados, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), no âmbito do programa Conforme Remessas, lançado pelo governo federal no ano passado.
Em seu cálculo, João Eloi Olenike, do IBPT, simulou o exemplo de uma compra que, originalmente sem impostos, custa R$ 200 (US$ 37,8494, segundo cotação do Banco Central de 05/06) no site de uma varejista online.
O cálculo utilizou a alíquota efetiva do ICMS de 20,48% de acordo com o regime mais comum aplicado entre os Estados.
Este produto teria o preço calculado da seguinte forma, conforme regras vigentes:
R$ 200 (valor de compra) + 20,48% (ICMS) = R$ 240,96 (valor de compra com acréscimo de ICMS)
Caso o projeto do “imposto da blusa” seja aprovado definitivamente no Congresso e sancionado, o cálculo será o seguinte:
R$ 200 (valor de compra) + 20% (imposto de importação) = R$ 240 (valor de compra incluindo imposto de importação)
Esse valor seria antes da incidência do ICMS. Assim, o custo final seria o seguinte:
R$ 240 (valor de compra incluindo imposto de importação) + 20,48% (ICMS) = R$ 289,26
Ou seja, ao final, com a nova tributação, a blusa ficaria R$ 48,30 mais cara para o consumidor.
Qual é a alíquota do ICMS?
Atualmente, as compras internacionais no varejo online já pagam alíquota de ICMS de 17%.
Mas Olenike alerta para um detalhe importante: na maioria dos Estados, o ICMS é calculado “de dentro”, no jargão contábil.
A forma como esse imposto é calculado, seja “dentro” ou “fora”, depende da legislação de cada estado, mas, em geral, o ICMS é calculado “dentro”.
O que isso significa? “Significa que o ICMS, na prática, não é de 17% do valor do produto. São 17% sobre o valor já aumentado em 17%”, diz Olenike.
Não entendi? O presidente do IBPT explica com um exemplo mais didático.
“Se o produto custa R$ 100 e a alíquota do ICMS é de 17%, o ICMS, em vez de ser calculado como 20% sobre R$ 100, é calculado como 17% sobre R$ 117”, diz Olenike.
“Se você olhar a conta de luz de sua casa, ela é calculada assim.”
Nesse cálculo “por dentro”, os 17% de ICMS cobrados nas compras internacionais de até US$ 50, pelas regras atuais, se transformam, na prática, em 20,48%.
Daí a razão da alíquota real de imposto utilizada no cálculo apresentado acima.
Os argumentos a favor e contra a taxa
A cobrança de 20% de imposto em compras de até US$ 50 faz parte do Projeto de Lei (PL) 914/24, que cria o Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que prevê incentivos ao transporte ecológico.
Foi feita alteração no projeto Mover para encerrar o programa Remessa Compliance, lançado pelo governo federal no ano passado para organizar o comércio e combater a sonegação fiscal.
Segundo a Agência Brasil, o fim da Remessa Segundo foi inserido no projeto de lei do Mover do deputado federal Átila Lira (PP-PI), mesmo partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Como não há relação entre a emenda que trata do tributo e o objeto do projeto, o fim da isenção tributária é o que se chama, no jargão do Congresso, de “jabuti” legislativa.
O projeto chegou ao Senado na última quarta-feira (29/5), um dia após ser aprovado na Câmara dos Deputados.
No Senado, o senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) retirou a emenda Mover.
“Se você fizer uma pesquisa vai descobrir que há pouco mais de nove meses esse era o assunto do momento. O governo tentou taxar as blusas e voltou atrás”, disse Cunha, referindo-se à criação da Remessa Compliance, em coletiva de imprensa anunciando a retirada da emenda do PL.
“Faz apenas nove meses. É essencial que você reserve um tempo mínimo para ver se este programa é bem-sucedido. Um assunto como este tem que ser debatido nas comissões competentes.”
Isso gerou forte reação de Lira, que pressionou o governo contra a mudança. Por sua vez, o Planalto afirmou que trabalharia para reintegrar a proposta no Mover.
Shein, após a aprovação do PL 914/24 na Câmara dos Deputados, chamou a aprovação de “retrocesso”, dizendo que 88% dos clientes da empresa são das classes C, D e E, e fez sua própria simulação de preços.
“Com o fim da isenção, a carga tributária que recairá sobre o consumidor final será de 44,5%, que com a isenção ficou em torno de 20,82% devido à arrecadação de ICMS, totalizando 17%. ”, disse a empresa.
“Ou seja, um vestido que as consumidoras Shein compraram no site por R$ 81,99 (com ICMS de 17% incluído) agora custará mais de R$ 98 com a nova carga tributária.”
Shein, muito popular entre os jovens, tem sido criticada por investigações jornalísticas que acusam a marca de trabalhar com fornecedores que violam as leis trabalhistas.
A empresa também recebe críticas por seu modelo de negócio fast fashion baseado na produção de grande volume de peças de vestuário, com muita rotatividade e preços baixíssimos, o que gera forte impacto ambiental, de acordo com uma reportagem da BBC.
Os representantes varejistas brasileiros se posicionaram contra a isenção fiscal para varejistas internacionais, alegando que isso cria um desequilíbrio na concorrência.
Antes mesmo do início das Remessas Conformadas, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV) apresentaram ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um estudo que estimava até 2,5 milhões de demissões por conta da isenção para empresas de fora do país , segundo a Agência Brasil.
João Eloi Olenike, do IBPT, explica que, se um varejista brasileiro importasse da China o mesmo item vendido por um varejista digital no Brasil, a empresa nacional pagaria mais impostos que a Shein, como Imposto de Importação, ICMS, IPI, Pis e Cofins .
Para as empresas brasileiras, ainda há custos no preço do produto, afirma o especialista.
“Segurança Social, FGTS, custos com folha de pagamento de funcionários. É uma concorrência desleal”, afirma Olenike.
No entanto, na sua opinião, a aplicação do novo imposto sobre compras de produtos até 50 dólares em retalhistas digitais não eliminaria a diferença de preço.
“Mesmo que tribute 20%, o preço (da Shein) ainda será mais barato que o nosso mercado interno, que tributa importações, vendas e folha de pagamento. Nossa tributação para as empresas brasileiras é muito alta”, afirma Olenike.
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