Quando Javier Milei estava em campanha no ano passado, para se tornar presidente da Argentina, ele carregava consigo uma motosserra para simbolizar sua determinação em cortar substancialmente os gastos públicos.
Agora, seis meses depois de assumir a Presidência, como é que o seu “terapia de choque” tanto para o governo quanto para a economia do país?
“As mudanças que nosso país precisa são drástico“, disse Milei logo após ser eleita. “Não há espaço para gradualismo.”
E ele agiu rapidamente. Em seu pacote inicial de medidas, desvalorizou a moeda argentina, o peso, em 50%, reduziu os subsídios estatais aos combustíveis e cortou pela metade o número de ministérios.
A rápida redução da despesa pública ajudou a Argentina a passar de um défice fiscal – a diferença entre despesas e receitas do governo – de 2 biliões de pesos (cerca de 120 mil milhões de dólares) em Dezembro do ano passado para um excedente de 264,9 mil milhões de pesos em Abril.
A Argentina registou excedentes em janeiro, fevereiro e março, sendo esta a primeira vez desde 2012 que o país atingiu esta meta mensal.
No entanto, Milei, que se descreve como um libertário, fez do corte da inflação a sua principal prioridade, dizendo à BBC no ano passado que o aumento dos preços era “o imposto mais regressivo que mais prejudica as pessoas”.
A inflação caiu, registrando taxa mensal de 8,8% em abril —a primeira vez desde outubro do ano passado que o índice ficou abaixo dos dois dígitos.
Contudo, a taxa de inflação acumulada nos últimos doze meses ainda permanece elevada, com o índice a registar 289,4% em Abril.
Para efeito de comparação, no Brasil a taxa anual acumulada em abril foi de apenas 3,69%, segundo o IBGE.
E embora os números oficiais do crescimento económico da Argentina ainda não estejam disponíveis para o período desde que Milei assumiu o cargo em 10 de Dezembro, há evidências de que a economia do país se contraiu acentuadamente, com os gastos dos consumidores a caírem nos primeiros três anos. meses deste ano.
Sem maioria no Congresso
Porém, outras promessas feitas por Milei durante a campanha, como a substituição do peso pelo dólar e o fechamento do Banco Central, ficaram em segundo plano.
O problema para Milei é que a sua coligação La Libertad Avanza (Avanços da Liberdade) não detém a maioria no Congresso argentino. E tem sido especialmente difícil para o governo chegar a acordos com outras partes.
Milei quer que o Congresso lhe conceda o poder de privatizar inúmeras empresas, incluindo a companhia aérea estatal, as ferrovias, os correios e a companhia nacional de água.
O seu amplo projecto de lei denominado “omnibus”, com planos de privatização e centenas de outras medidas económicas, não foi aprovado numa segunda votação realizada em Fevereiro.
Uma versão simplificada, reintroduzida no Congresso em abril, foi aprovada na Câmara, mas ainda não foi aprovada pelo Senado.
O presidente também enfrenta forte oposição dos sindicatos, que saíram às ruas em protesto, alegando que os direitos dos trabalhadores serão prejudicados pela desregulamentação generalizada da economia.
Juan Cruz Díaz, diretor da consultoria de riscos geopolíticos Grupo Cefeidas, com sede na Argentina, diz que as políticas econômicas de Milei são tão radicais quanto as prometidas durante a campanha, a diferença é que ele não tem conseguido implementá-las tão rapidamente quanto gostaria.
“Seu governo foi forçado a desacelerar o ritmo das reformas, dados os obstáculos políticos e sociais que enfrentou”, diz Díaz.
Díaz acrescenta que dois fatores específicos levam o presidente a agir com cautela: a deterioração do poder de compra dos consumidores e o medo de uma maior agitação social.
Isto porque não houve diminuição do número de pessoas que vivem na pobreza, que aumentou de cerca de um quarto da população em 2017 para mais de metade agora.
No entanto, o FMI (Fundo Monetário Internacional), que durante décadas emprestou mais dinheiro à Argentina do que qualquer outro país, deu notas altas ao governo dizendo que o desempenho foi “melhor do que o esperado” e que o programa económico estava “de volta em segurança ao caminho certo”. .”
Quanto à questão de saber se Milei obterá a aprovação do Congresso para novas medidas, Díaz afirma que embora alguns setores da oposição estejam abertos ao diálogo com o governo, os partidos de esquerda se opõem completamente à agenda do governo.
Entre estes estão os peronistas liderados pela ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner.
“Neste contexto, a capacidade do governo de negociar e construir consenso é testada diariamente, um teste que o próprio Milei muitas vezes torna ainda mais difícil com certas explosões e declarações de confronto desnecessárias”, diz Díaz.
Na verdade, muitos argentinos consideram o jeito impetuoso de Milei mais um obstáculo do que uma vantagem.
Na sua última pesquisa de opinião, a empresa de consultoria política Zuban Córdoba disse que 54% dos entrevistados acham que o presidente estava prestando mais atenção à sua imagem política internacional do que à solução dos problemas da Argentina.
Esta percepção foi sem dúvida reforçada pela actual disputa diplomática da Argentina com Espanha, que levou Madrid a chamar de volta o seu embaixador em Buenos Aires.
‘O otimismo desaparecerá’
Kimberley Sperrfechter, economista de mercados emergentes do grupo de pesquisa e análise Capital Economics, acredita que o maior problema de Milei é que ele tem de superar “anos e anos de má gestão económica” na Argentina.
“Um factor-chave é que os governos do país gastaram, durante décadas, muito além das suas possibilidades”, diz ela. “E este défice foi financiado pela emissão de dinheiro novo pelo banco central para financiar os gastos do governo.”
Essas emissões ajudaram a aumentar a inflação no país.
A Argentina, o oitavo maior país do mundo em território, está em declínio há mais de um século. A queda serve como um aviso de como a riqueza de uma nação pode ser corroída pelo desperdício.
Antes da Primeira Guerra Mundial, a Argentina estava entre os 10 países mais ricos do mundo.
Mas a lenta contracção económica que se seguiu foi substancialmente acelerada pelas políticas populistas – e pelos gastos excessivos – do Presidente Juan Perón, que esteve no poder de 1946 a 1955.
Houve algumas reformas de mercado livre de curta duração na década de 1990, sob o governo de Carlos Menem, que privatizou muitas das empresas que Perón nacionalizou e fez tentativas sérias para restaurar a fé na moeda argentina.
Mas as coisas pioraram acentuadamente no final de 2001, quando o país sofreu um colapso económico catastrófico e deixou de pagar a sua enorme dívida de 102 mil milhões de dólares (R$ 520 mil milhões).
Ao colocar o peso em paridade com o dólar, a economia argentina ficou praticamente presa num regime monetário sem margem de manobra.
E isto, juntamente com os habituais gastos excessivos do governo, expôs a Argentina aos altos e baixos da economia dos EUA e deixou o país impotente para reagir à corrida aos bancos que ocorreu em 2001.
Nas duas décadas que se seguiram a esta crise, o país foi governado maioritariamente por partidos de esquerda que adoptaram políticas proteccionistas e fizeram o país sobreviver sem, no entanto, resolver os problemas profundamente enraizados da Argentina.
Agora, com uma administração libertária de direita no poder, o país está a tentar traçar um novo rumo – e isso significa colocar as finanças do governo numa base sólida.
Segundo a consultora Consensus Economics, para atingir este objectivo, o governo de Milei está a tentar concentrar os seus esforços nas vastas exportações agrícolas do país de cereais, soja, carne e vinho.
“O governo está depositando as suas esperanças nas exportações agrícolas que trazem divisas extremamente necessárias, na esperança de aumentar as reservas [de divisas] actualmente esgotados do banco central e, por sua vez, aumentar a credibilidade financeira do Estado”, afirma o Consenso.
No entanto, Sperrfechter considera que a economia argentina se encontra atualmente num “ponto de viragem” e que Milei não pode contar com o apoio público, apesar da sua vitória eleitoral.
“Não é que as pessoas tenham ficado convencidas pelas suas políticas, foi mais um voto de protesto”, diz ela. “As coisas não poderiam continuar como estavam.”
Sperrfechter considera que, apesar da desvalorização do peso, a moeda continua sobrevalorizada, possivelmente em até 30%.
A taxa de câmbio ainda está a ser gerida em vez de ser mantida completamente livre para subir ou descer, diz ela, e isto está a atrasar o crescimento e a prejudicar a competitividade do país.
“Com a Argentina nunca se sabe, mas acho que o brilho está desaparecendo”, diz Sperrfechter. “O otimismo desaparecerá e a economia enfrentará dificuldades.”
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