Em 9 de junho de 2022, um carregamento rotulado como “espargos finos” saiu da cidade de Trujillo, no noroeste do Peru, em um caminhão de 18 toneladas.
A carga seguia para Callao, o porto peruano mais importante, perto de Lima. Lá, ela seria levada para um navio com destino ao porto de Roterdã, na Holanda.
Mas a carga nunca chegou perto de sair do Peru. Agentes da Diretoria Antidrogas (Dirandro) da Polícia Nacional do país descobriram que as latas de aspargos continham cocaína líquida.
“A droga em Huallaga [norte do Peru] talvez seja $ 500 ou $ 700 [cerca de R$ 2,7 mil a 3,8 mil]. Para ir a Lima o custo sobe para US$ 1.300 [cerca de R$ 7 mil] e, ao chegar em um porto europeu, chega ao preço de US$ 40 mil [cerca de R$ 216 mil] por quilo”, explica o diretor da Dirandro, Deny Rodríguez.
No carregamento foram encontradas duas toneladas da droga —o que pode render cerca de US$ 77 milhões (cerca de R$ 416 milhões).
Rodríguez afirma que, na pirâmide desta operação de tráfico de cocaína, estavam dois cidadãos albaneses: Malo Franc, conhecido como “Pelado”, e Meta Gentjan, “Barbas”. Ambos entraram no Peru legalmente como turistas, pela fronteira com o Equador. Mas Dirandro vem acompanhando os dois durante a estadia no país.
“Esses cidadãos albaneses são os responsáveis pelas questões financeiras e logísticas para criar operações ilícitas de tráfico de drogas em território peruano”, afirma Rodríguez.
Embora não seja numerosa, a presença de homens albaneses em países onde operam cartéis de produção e tráfico de drogas na América Latina não é algo novo. Desde a década de 2000, membros de clãs familiares da chamada “máfia albanesa” viajam para a região para expandir os seus negócios na Europa.
“Os clãs criminosos albaneses estão na América Latina por uma razão: para comprar cocaína a preços baixos”, segundo o investigador Alessandro Ford, da organização jornalística InSight Crime.
Durante pelo menos duas décadas, os albaneses estabeleceram contactos com cartéis e grupos de tráfico de droga em países como a Colômbia, o Equador, o México e o Peru. Sem precisar depender do comando de muitos homens e de armas de alto calibre, como fazem os cartéis latino-americanos, eles têm feito negócios substanciais com cartéis locais.
“Sua função é fazer conexões comerciais, fechar acordos e lidar com questões logísticas”, explica o investigador mexicano Víctor Sánchez, que estuda o crime organizado. “Mas nunca veremos [na América Latina] um comboio armado da máfia albanesa, sem guardas para oferecer proteção.”
O seu poder reside no controlo partilhado com outras máfias, como a italiana, dos portos da Europa por onde entram drogas e outros produtos ilegais.
Por que albaneses?
A Albânia é historicamente um corredor comercial entre a Ásia e a Europa na Península Balcânica. E, “quando o comunismo entrou em colapso, a Albânia, juntamente com a antiga União Soviética, experimentou uma revitalização dramática do crime organizado”, explica Ford.
Desde o tráfico ilegal de heroína e armas até cigarros e pessoas, “os clãs criminosos albaneses contrabandeavam tudo”, segundo o investigador.
No início dos anos 2000, os albaneses começaram a associar-se à máfia italiana. Ligaram-se especialmente aos clãs da ‘Ndrangheta, uma poderosa organização criminosa no sul da Itália.
“Mas os albaneses logo enviaram os seus próprios emissários à América Latina para negociar a compra de cocaína no atacado a preços baixos”, explica Ford. “Essas pessoas se estabeleceram principalmente em duas cidades portuárias do Pacífico: Guayaquil, no Equador, e, em menor escala, Callao, no Peru”.
A partir daí estabeleceram contatos com outros países produtores de drogas, como Bolívia, Colômbia e México.
Kompania Bello
A máfia albanesa não é um grupo único. Existem vários clãs espalhados pela Europa, segundo especialistas.
A organização mais importante, que reúne vários clãs, é a autodenominada Kompania Bello. Estende-se por países como Reino Unido, Holanda, Bélgica, França, Espanha, Portugal, Itália e Alemanha.
“Funciona como uma espécie de diáspora, da mesma forma que máfias italianas como a Cosa Nostra, a Camorra e a ‘Ndrangheta funcionaram durante muitos anos”, explica Sánchez.
“O que a máfia albanesa fez foi exactamente começar a colonizar outros países com rendimentos maiores. E os imigrantes albaneses juntaram-se então como uma espécie de família e começaram a controlar os mercados ilegais”, segundo ele.
A Kompania Bello fortaleceu seu poder nos últimos 20 anos. Mas a Interpol anunciou em 2020 uma grande operação em 10 países europeus que levou à captura de 20 dos seus principais membros. Foi um duro golpe para os clãs familiares.
Segundo a Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol), a máfia albanesa decidiu cobrir toda a cadeia de venda de drogas, “desde a organização de grandes carregamentos diretamente da América do Sul até à distribuição por toda a Europa”.
Para isso, os clãs conseguiram controlar o tráfico ilegal nos portos de Roterdão, na Holanda, e de Antuérpia, na Bélgica, de onde distribuem drogas e realizam comércio ilegal.
A Europol informou que a Kompania Bello tem branqueado dinheiro através de “um sistema alternativo de transferência clandestina de origem chinesa, conhecido como sistema ‘fei chien'”.
“Semelhante ao sistema de transferência hawala, as pessoas que usam o fei chien depositam uma quantia em uma ‘agência’ da rede em um país. Outra operadora retira a quantia equivalente em outro lugar do mundo e a transfere para o destinatário desejado”, segundo a agência.
Desta forma, milhões de euros foram branqueados ao longo dos anos, “sem deixar vestígios de provas reveladoras aos investigadores”.
Influência na América Latina
Mais recentemente, a máfia albanesa na América Latina associou-se a uma ala do poderoso cartel de Sinaloa no México, dirigido por Ismael “El Mayo” Zambada, associado ao traficante Joaquín “El Chapo” Guzmán.
Para Víctor Sánchez, especialista em operações de grupos criminosos no México, esta associação é lógica, já que os albaneses “são melhores na lavagem de dinheiro do que os mexicanos”.
“Para ter boas relações com as organizações mexicanas, elas podem ajudá-las na lavagem de dinheiro. Mas, certamente, o que gerou o contato foi a venda de drogas”, afirma.
Alessandro Ford afirma que a região é “muito atrativa”, mesmo para quem não é apenas emissário, mas que se fixa por longos períodos ou permanentemente.
“Muitos dos migrantes já têm antecedentes criminais na Europa, enquanto alguns são fugitivos”, explica. “Atravessar o Atlântico significa anonimato, uma segunda oportunidade. Eles podem forjar novas identidades, viver em condomínios fechados ricos e explorar a capacidade reduzida da aplicação da lei para traficar cocaína”.
É o caso do traficante de drogas Dritan Rexhepi, que emigrou para o Equador no início da década passada e formou um esquema para enviar drogas para a Kompania Bello.
Rexhepi foi chamado de “rei da cocaína”. Fugiu da Europa, onde era procurado pelas cortes italiana e albanesa, e adotou diversas identidades, como Edmir Kraja e Mutaraj Lulezim, entre outras.
Em 2014, foi preso e condenado a 13 anos de prisão. A Europol identificou-o como o “chefe da organização” e ele continuou a liderar o tráfico de droga para a Europa, mesmo dentro da prisão.
“Qualquer pessoa perseguida na Europa pode encontrar refúgio relativamente seguro [na América Latina]devido à força das organizações aliadas, à corrupção prevalecente e às condições económicas”, afirma Sánchez.
Mas o especialista alerta que, para grupos como os albaneses, seria muito difícil estabelecer-se nos países da região como um cartel completo e independente.
“Estabelecer uma célula da máfia albanesa desta forma parece complicado porque atrairia muita atenção”, disse ele. “Para os concorrentes seria muito fácil eliminá-los, até porque seria uma nova organização que chega sem proteção”.
Na verdade, há poucos albaneses nesta região e os seus lucros na América Latina não são tão grandes como os dos grandes cartéis de droga locais. Seus principais negócios estão na Europa.
“Eles ficam com uma fatia do bolo, mas organizações como as mexicanas detêm a maior fatia”, conclui Sánchez.
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63664848
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