“O centro continua firme”, foi o que disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, após a divulgação dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu no domingo (9/6).
Embora esta afirmação seja verdadeira, também é verdade que o equilíbrio de poder no Velho Continente está a mudar de centro para centro. certocomo evidenciado pela clara vitória do conservador Partido Popular Europeu, que, segundo resultados preliminares, obteve 186 assentos dos 720 que compõem o Parlamento, contra 135 dos sociais-democratas.
Esta mudança ideológica ficou evidente com os resultados da direita radical tanto na França (primeira força) como na Alemanha (segunda força).
Assim, a direita anti-europeia está a crescer fortemente nos dois principais países fundadores da União Europeia, que são também as nações com mais assentos no Parlamento Europeu.
Os resultados já tiveram repercussões importantes no campo político: o Presidente da França, Emmanuel Macronconvocou eleições parlamentares antecipadas para o final deste mês, após a vitória retumbante do partido de direita radical do seu rival Marinha LePen.
Na Alemanha, o partido de extrema-direita AfD superou em número a coligação do chanceler Olaf Scholz, pedindo-lhe que antecipasse as eleições, algo que parece improvável que aconteça.
A BBC News Mundo, o serviço de língua espanhola da BBC, conversou com analistas para compreender os resultados das eleições europeias e a mudança para a direita na política na região.
1. A curva à direita está consolidada
“Venceram novamente as forças eurocéticas, a supercoligação onde governam historicamente os sociais-democratas e a democracia cristã (Partido Popular Europeu)”, explica Ignacio Molina, analista do Real Instituto ElCano, à BBC.
Mas embora o centro “se mantenha firme”, esse centro está a deslocar-se para a direita.
“Esta grande coligação moveu-se porque o centro liberal perdeu votos a favor da centro-direita. O europeísmo vence, sim, mas sobretudo os mais conservadores”, afirma Molina.
Em torno deste centro pró-europeu, há “uma mudança na correlação de forças, muito mais à direita e a favor da direita radical, embora não haja um crescimento substancial”, explica Javier Martín Merchán, professor de ciência política na Universidade de Comillas, na Espanha.
No geral, apontam ambos os analistas, os resultados das eleições europeias não são inesperados e refletem uma tendência que se tem observado nos últimos anos a nível nacional nos diferentes países que compõem a União Europeia.
Por exemplo, a Itália é governada desde 2019 por uma coligação de direita liderada por Giorgia Meloni e o seu partido ultranacionalista Irmãos de Itália; nos Países Baixos, o partido radical de Geert Wilders venceu as últimas eleições nacionais e, na Suécia, o governo depende de partidos de direita radical.
“É um processo gradual e quase estrutural. Vivemos um ciclo positivo para a direita em geral”, afirma Martín Merchán.
2. Na França e na Alemanha, os radicais em ascensão
Embora a direita radical e os ultraconservadores não tenham geralmente vencido as eleições, como indicaram algumas sondagens anteriores, há excepções que chamam a atenção.
São os casos da Alemanha e da França, que, além de serem emblemáticos por serem os pais fundadores da UE, são os dois Estados-membros que contribuem com mais assentos para o Parlamento, o que ajudará a aumentar a representação da extrema-direita no Câmara de Estrasburgo.
Em França, o Agrupamento Nacional de Marine Le Pen teve o dobro dos votos do partido centrista da Renascença do presidente Emmanuel Macron.
A reação quase imediata de Macron foi convocar eleições parlamentares antecipadas para 30 de junho.
“Convocar eleições antecipadas é uma grande surpresa para o país e um enorme risco para o Presidente Macron. Ele poderia ter reagido de forma diferente e explicado a vitória esmagadora da direita como uma aberração europeia que seria corrigida em eleições mais importantes”, afirma Hugh Schofield. Correspondente da BBC na França.
No caso alemão, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) ficou em segundo lugar, ultrapassando a coligação do chanceler Olaf Scholz.
Ainda mais notável é o resultado alcançado pela AfD, tendo em conta os escândalos de espionagem, extremismo e a corrupção que atingiu o partido nos meses que antecederam as eleições.
“Os partidos do governo (Sociais Democratas e Verdes) sofreram uma derrota esmagadora, tal como o terceiro parceiro da coligação, os liberais do mercado livre”, explica o correspondente da BBC em Berlim, Damien McGuinness.
Esta aliança sempre foi complicada, segundo McGuinness, mas a invasão da Ucrânia pela Rússia fez com que ela vacilasse, expondo as suas diferenças. Neste contexto, os radicais de direita e esquerda beneficiou dos seus discursos populistas.
“Em tempos de insegurança e incerteza, mensagens simples são sedutoras”, observa McGuinness.
3. Oposição à imigração
Embora os discursos dos partidos radicais variassem de acordo com os problemas enfrentados por cada país, havia uma mensagem com a qual concordavam: a sua oposição à imigração, especialmente a de países muçulmanos.
Por se tratar de uma questão sensível para os partidos maioritários (como os Sociais Democratas ou a Democracia Cristã), os partidos de direita mais radicais, como a AfD na Alemanha, o Vox em Espanha ou o Agrupamento Nacional em França, levantaram esta bandeira nestes países europeus. eleições.
“Há partidos que falam única e exclusivamente sobre esta questão. Sobre que tipo de imigração querem no país, o que é a segurança nas ruas, o que é a segurança nas fronteiras e quais os efeitos económicos dessa imigração”, explica Martín Merchán.
“Quando a competição partidária trata destas questões, é mais fácil termos resultados (eleitorais) como os que temos agora”, acrescenta.
Com o aumento da imigração, “geram-se dinâmicas mais relacionadas com questões culturais do que económicas”, destaca Molina.
“Em Espanha, a imigração é menos politizada porque o perfil do imigrante [da América Latina] está menos distante, mas não é o caso noutros países. Para os escandinavos, por exemplo, é um tema importante porque uma parte da população sente que a sua cultura e tradições estão ameaçadas”, acrescenta.
Assim, a imigração proveniente de países africanos e do Médio Oriente, muitos dos quais de tradição muçulmana, é contrastada com os valores da velha Europa, tradicionalmente cristã.
Soma-se a isso a “guerra cultural” desencadeada em muitos países devido aos avanços nas questões sociais promovidos por sucessivos governos progressistas.
“Há quem perceba que houve uma mudança nos valores culturais da sociedade ocidental, em questões como os direitos da comunidade LGBTQIA+, igualdade de género, etc., o que para muitos, especialmente homens brancos adultos, representa uma desafio à própria identidade”, afirma Martín Merchán. A resposta é reagir votando na direita que defende os valores tradicionais.
4. Leitura em chave nacional, não europeia
Molina insiste que, embora haja sinais de consolidação e crescimento da direita mais radical, algo a destacar das eleições europeias é a forma como o centro tem resistido “apesar dos desafios que a União Europeia enfrenta hoje”.
Ele sublinha que a leitura destas eleições não deve ser feita numa perspectiva europeia.
“É um pouco de auto-engano. Porque o que aconteceu neste domingo foram 27 eleições nacionais paralelas com um ligeiro toque europeu”, afirma.
“O resultado final que vemos no Parlamento Europeu é a continuidade, mas os eleitores não queriam necessariamente a continuidade.”
“Provavelmente, o que mais motivou os eleitores espanhóis a votar foi premiar ou punir Pedro Sánchez. Em França, recompensaram ou puniram Macron”, afirma.
Mas mesmo que assim seja, a soma de todas as partes indica uma mudança para a direita, que nos próximos cinco anos definirá a política europeia.
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