Os franceses adorariam saber quem é o verdadeiro Jordan Bardella.
A questão era interessante quando Bardella era apenas presidente do maior partido do país, o Assembleia Nacional (Reagrupamento Nacional – RN), direita radical.
Agora que se fala abertamente dele como o próximo primeiro-ministro do país, a questão assumiu um ar de urgência.
Dentro de duas semanas, o França vai às urnas eleições parlamentares antecipadas convocadas pelo presidente do país, Emmanuel Macrondepois de ser derrotado pelo RN nas eleições para o Parlamento Europeu no início do mês.
Caso o RN conquiste mais uma grande vitória após o segundo turno de votação, no dia 7 de julho, a expectativa é que Bardella —que divide a liderança do partido com Marina Le Pen – ser nomeado primeiro-ministro.
Todos os franceses conhecem o básico sobre Bardella e a sua ascensão meteórica: desde o jovem desempregado que abandonou os estudos nos subúrbios ao norte de Paris até ao protegido de Le Pen e presidente do partido.
Sabem que ele é muito jovem, tem apenas 28 anos, mas isso parece importar menos hoje em dia, quando a experiência já não conta muito. O atual presidente tem apenas 46 anos e o primeiro-ministro tem 35.
Eles também sabem que ele é sempre elegante, fala bem e é ultraapresentável.
Mas o que ele pensa, como se posiciona ideologicamente, que tipo de pessoa ele é – tudo isso é desconhecido. Os franceses têm a nítida sensação de que o homem que veem é um pacote. Bem embrulhado, mas o conteúdo é um mistério.
Descendente de imigrantes
A versão oficial de Bardella — a do rótulo — é a de um jovem que cresceu numa comunidade desfavorecida de Seine-Saint-Denis e, depois de conviver com o flagelo da droga, da pobreza, da ilegalidade e da imigração descontrolada, chegou a acredito que apenas a direita radical tinha a resposta.
Esta é a narrativa oficial, conhecida como narrativa no mundo do marketing.
Como ele mesmo disse: “Estou na política por tudo que vivi lá. Para evitar que isso se torne a norma para toda a França. Porque o que acontece lá não é normal”.
A verdade, porém, é mais matizada. Bardella foi, de facto, criado por uma mãe solteira, Luisa, no conjunto habitacional Cité Gabriel-Péri, em Saint-Denis, pelo que a sua experiência é bastante real. Seus pais são de origem italiana e seu pai tinha avó argelina.
Mas o pai de Bardella, Olivier, que saiu de casa quando o filho era muito pequeno, dirigia uma empresa de distribuição de bebidas e estava relativamente bem de vida. Ele morava em Montmorency.
E Bardella não frequentava a escola pública mais próxima, mas sim uma instituição educacional católica semiprivada popular entre a classe média.
“O pequeno Bardella tinha um pé de cada lado dos trilhos”, diz Pierre-Stéphane Fort, autor de uma biografia crítica do presidente do RN.
Para escrever um perfil recente no jornal francês Le Monde, os autores voltaram a Saint-Denis para encontrar amigos e conhecidos de infância de Bardella.
Eles descobriram que ele havia deixado poucos vestígios. Amigos – de diversas origens raciais – disseram que ele adorava videogames e criaram um canal no YouTube para discutir os últimos lançamentos.
Lembraram também que ele deu aulas de alfabetização para imigrantes depois da escola, quando tinha 16 anos. Mas não se lembravam de qualquer interesse particular na política de direita radical.
“Minha teoria é que ele olhou ao redor do mundo político e identificou o lugar onde tinha as melhores chances de subir na hierarquia”, disse Chantal Chatelain, uma professora que lecionava em sua escola, ao Le Monde.
Bardella entrou no partido aos 17 anos e sua ascensão foi meteórica. Isso aconteceu porque ele passou a fazer parte do círculo íntimo de Le Pen.
Grande parte dos altos escalões do RN gira em torno de relações pessoais e lealdade de clã, como foi o caso quando o pai de Le Pen, Jean-Marie, estava à frente do partido, que era conhecido na época como Frente Nacional (FN). Bardella começou a namorar a filha de um veterano da FN, Frederick Chatillon.
Poucos dias depois de ele ter sido apresentado a Le Pen em 2017, ela o nomeou porta-voz do partido.
Em 2019, foi convidado para encabeçar a lista de candidatos do partido às eleições europeias, vencidas pelo RN. Tornou-se deputado europeu. E, em 2022, ela o nomeou presidente do partido.
Segundo Pascal Humeau, profissional de formação de mídia que trabalhou com Bardella durante quatro anos, Le Pen viu imediatamente como o jovem – com seu histórico perfeito de adversidades na periferia – poderia ser útil ao partido. Ela o chamou de “filhote de leão”.
Mas Humeau está longe de elogiar Bardella. Os dois se afastaram após uma discussão sobre dinheiro, por isso o depoimento deles precisa ser tratado com cautela. Mas hoje ele descreve o líder do RN como um “produto de marketing”.
“Era uma concha vazia. Em termos de conteúdo não havia muito”, diz Humeau. “Ele não lia muito. Não tinha curiosidade. Simplesmente absorvia os elementos da linguagem que lhe foram dados por Marine.”
Humeau diz que trabalhou durante meses para que Bardella deixasse para trás sua postura rígida e sorrisse com mais naturalidade. “Tive que humanizar o ciborgue. Meu trabalho era fazer com que as pessoas que de outra forma o odiariam dissessem: ‘Hmm! Para um fascista, ele é legal!'”
O biógrafo Pierre-Stephane Fort é outro crítico de Bardella — segundo ele, há pouca substância por trás da imagem pessoal.
“Ele é um camaleão. Adapta-se perfeitamente ao ambiente”, afirma. “E ele é um oportunista crônico. Não há ideologia nisso. Ele é pura estratégia. Ele sente para onde o vento sopra e chega lá primeiro.”
Na verdade, é impossível identificar Bardella com alguma das diferentes correntes ou clãs políticos do RN. Em diferentes momentos, esteve na ala “social”, com foco nos pobres e na construção de moradias sociais, e na ala “identitária”, com enfoque racial e na preservação da cultura francesa. Mas, acima de tudo, segue Le Pen.
Tal como ela, e o partido como um todo, ele adopta uma posição geral construída em torno de uma resposta dura ao crime e à imigração – ele disse que a França está “invadida por migrantes”. Mas, em termos específicos, as respostas são deixadas deliberadamente vagas.
Num comício com Bardella, não há como negar sua popularidade. As mulheres o acham “bonito” e ele sempre sorri para uma selfie com todos.
Mas preste atenção por um tempo e você ouvirá as mesmas figuras de linguagem e fórmulas surgindo continuamente.
Num recente debate televisivo com o actual primeiro-ministro Gabriel Attal, Bardella manteve-se firme, mas era óbvio quem era mais inteligente. Felizmente para Bardella, Attal desperdiçou sua vantagem ao adotar um sorriso constante – exatamente o tipo de condescendência que o RN prospera.
Para Le Pen, o “filhote de leão” tem sido um grande trunfo e permitiu-lhe alargar o apelo do partido muito além dos grupos sociais tradicionais.
Com sua mania do TikTok, Bardella obviamente se conecta com os jovens. Ele publica regularmente vídeos curtos de si mesmo (preparados por uma empresa de mídia) para seus 1,3 milhão de seguidores.
Também tem boa avaliação entre pessoas com ensino superior, aposentados e população urbana —segmentos que se mostraram resistentes ao RN no passado.
Mas a questão ainda não foi respondida. O seu apelo é apenas o resultado de uma comunicação brilhante? Ele é a pessoa com as qualidades certas?
Ele tem 28 anos, nunca frequentou a universidade e não tem experiência governamental. Ele também nunca trabalhou fora do RN, exceto por um mês durante o verão na empresa do pai.
Até recentemente, tudo isto teria tornado inconcebível que ele fosse nomeado Primeiro-Ministro de França. Mas as regras antigas ainda se aplicam?
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