O árbitro mexicano Marco Rodríguez mal havia apitado o fim da partida no Mineirão, em Belo Horizonte, e o telefone do Museu do Futebol, no Pacaembu, em São Paulo, não parava de tocar. Era 8 de julho de 2014 e, nas semifinais da Copa do Mundo, o O Brasil acabava de sofrer uma derrota histórica para a Alemanha.
Os jornalistas queriam saber se a então diretora do museu, Daniela Alfonsi, pretendia fazer uma instalação sobre “7 a 1”. Na sala Rito de Passagem, o visitante do museu viaja no tempo até 16 de julho de 1950, quando, em pleno Maracanã, no Rio de Janeiro, o Brasil perdeu a final da Copa do Mundo para o Uruguai.
O episódio ficou para a história do futebol como “Maracanaço” – ou Maracanazo, em espanhol. Detalhe: a seleção brasileira só precisava de um empate para ser campeã mundial. Perdeu por 2-1.
“Mesmo por falta de espaço essa ideia nem foi cogitada. Mas o principal motivo foi o entendimento de que as derrotas ocorreram em momentos históricos diferentes”, lembra o bibliotecário Ademir Takara, do Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB) do Museu do Futebol.
“Na verdade, uma frase muito citada na época era a de Karl Marx: ‘A história se repete, a primeira vez como uma tragédia e a segunda como uma farsa’”.
Felipe Tavares Paes Lopes concorda com Takara quando diz: “O derrotas ocorreu em diferentes momentos históricos.”
O coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Futebol (GEF) da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (FEF-Unicamp) explica que, em 1950, havia uma associação muito mais forte entre o que acontecia dentro e fora de campo.
“Quem perdeu, na Copa do Mundo de 1950, não foi apenas um time de 11 jogadores. Mas, sim, uma esperança para o país. Na Copa do Mundo de 2014 isso não aconteceu. No imaginário social, a derrota ficou limitada aos jogadores”, compara Lopes.
Gol de placa
A derrota do Brasil para a Alemanha não virou exposição no Museu do Futebol. Porém, ganhou destaque no Museu de Memes, do Departamento de Estudos Culturais e Mídia, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O conceito de “meme”, aliás, foi criado pelo cientista britânico Richard Dawkins, muito antes da internet, no livro The Selfish Gene (1976) e é uma variação da palavra “mimeme” que, em grego, significa “imitação”. ”.
“No ambiente virtual, qualquer imagem, vídeo, bordão, hashtag ou áudio está sujeito a virar meme”, explica o site do museu virtual, “tudo o que o usuário precisa fazer é se apropriar e fazer alterações na mídia original”.
No Museu do Meme, com curadoria da estudante Sabrina Dray, há diversos exemplos de “memes” 7 para 1.
Um deles brinca na capa do primeiro disco de Chico Buarque de Hollanda, lançado em 1966 pela RGE Discos: “Achei que era reprise / Foi mais um gol da Alemanha”.
Outro zomba de diálogo famoso do filme O sexto Sentido (1999), do cineasta M. Night Shyamalan: “Vejo gols da Alemanha / Com que frequência? / O tempo todo”.
“7-1 tornou-se sinônimo de vergonha ou fracasso. A expressão ‘Mais um golo da Alemanha’ ganhou um significado irónico e ultrapassou os limites do campo. Pode ser aproveitado desde a namorada até a demissão do emprego”, analisa o antropólogo José Guilherme Magnani, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP).
‘Não haverá Copa do Mundo!’
Muitos “memes” ganharam vida durante a transmissão do jogo. O locutor Galvão Bueno é “pai” de dois deles: “Virou carona!”, na hora do quarto gol, de Toni Kroos, aos 24 minutos do primeiro tempo, e “Lá vêm eles de novo!”. , antes do quinto gol, de Sami Khedira, cinco minutos depois.
Um trecho da entrevista com o zagueiro David Luiz, capitão do Brasil naquele fatídico 7 a 1, também viralizou: “Só queria dar alegria ao meu povo”, desculpou-se, aos prantos.
“Os nervos da seleção brasileira estavam à flor da pele”, destaca Antônio Ernesto Lassance de Albuquerque Júnior, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Brasília (UnB) e um dos autores do livro Brasil em Jogo – O que resta da Copa do Mundo e do Olimpíadas? (Boitempo, 2014).
“Mesmo tendo vencido a Copa das Confederações em 2013, o Brasil já entrou em campo derrotado. A grande batalha da Copa do Mundo não aconteceu dentro de campo, mas sim nas ruas. E tudo começou antes de 2014.”
A partir de junho de 2013, manifestantes saíram às ruas para protestar contra a realização da 20ª edição da Copa do Mundo no Brasil. Gritando “Não haverá Copa do Mundo” e “Fifa vai para casa”, exigiram, entre outras coisas, mais investimento em saúde e educação.
O “7 a 1” inspirou crônicas esportivas, mas também deu origem a um comercial de TV (Gol do Brasil, da Volkswagen), a um jogo de palavras cruzadas (A maior derrota do Brasil em Copas do Mundo, da revista Coquetel) e até a uma palestra motivacional sobre superação ( Qual foi o seu 7 a 1?, do técnico pentacampeão mundial, Luiz Felipe Scolari, o Felipão, o mesmo do 7 a 1).
Campos opostos
Houve quem tentasse apelidar a desgraça de “Mineiraço”, numa clara referência ao “Maracanaço”, da Copa do Mundo de 1950. Mas o apelido não pegou. O jornalista esportivo Juca Kfouri, inclusive, rejeita qualquer comparação.
“Um trauma incomparavelmente maior foi a Tragédia do Sarriá, em 1982”, lembra o colunista, citando a derrota do Brasil para a Itália na Copa da Espanha.
Assim como aconteceu em 1950, um empate classificaria o time de Telê Santana para as semifinais. Mas a Itália venceu por 3 a 2 – três gols do jogador Paolo Rossi (1956-2020). “O jogo do Mineirão virou piada. E é isso. Nada mudou, exceto o treinador.”
Para Tereza Borba muita coisa mudou. Filha do ex-goleiro da Seleção Brasileira Moacyr Barbosa (1921-2000), ela declarou, na época, que o pai finalmente poderia descansar em paz.
Durante muito tempo, Barbosa foi acusado de errar o gol de Alcides Ghiggia (1926-2015), o segundo do Uruguai, aos 34 minutos do segundo tempo. “A pena máxima para um crime no Brasil é de 30 anos. Paguei por esse gol há 50 anos”, repetia o ex-goleiro.
Roberto DaMatta pensa diferente de Kfouri. A derrota da Alemanha, garante o antropólogo, é mais traumática que a derrota do Uruguai. E ele explica o porquê. “Perdemos uma Copa do Mundo, mas vencemos cinco. Fomos pentacampeões mundiais”, orgulha-se. “E depois de 2014, o que ganhamos?”
Bola desinflada
Na verdade, o histórico do Brasil em campeonatos mundiais não é dos melhores. A última vez que o Brasil foi campeão mundial foi em 2002, contra a Alemanha. Dois a zero, gols de Ronaldo.
Desde então, o Brasil não chegou nem a uma final. Em quatro das últimas cinco edições da Copa do Mundo, não passou das quartas de final. No sábado (6), o Brasil foi desclassificado da Copa América após perder nos pênaltis para o Uruguai.
No Mundial de Clubes a situação é igualmente desanimadora. O último clube brasileiro a erguer a taça foi o Corinthians, em 2012. Venceu o Chelsea, da Inglaterra, por 1 a 0. Gol do peruano Paolo Guerrero.
No ranking de países com maior número de títulos, o Brasil ocupa o segundo lugar, com 10. São Paulo tem três; Santos e Corinthians, dois; e Internacional, Grêmio e Flamengo, um. A Espanha ocupa o primeiro lugar, com 12. O Real Madrid tem oito; Barcelona, três; e Atlético de Madrid, um.
O último grande título mundial conquistado pelo Brasil foi a medalha de ouro nas Olimpíadas de Tóquio, em 2020. A seleção brasileira perdeu a Copa América de 2021, no Brasil, e a Copa do Mundo de 2022, no Catar. Para completar a má fase, a seleção masculina não se classificou para Paris 2024.
“O Brasil vive uma crise no futebol”, avalia Silvio Ricardo da Silva, coordenador do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcida (GEFuT), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Os torcedores perderam o encanto. Ela não se sente mais representada. São poucos os atletas que jogam no Brasil. Se não bastasse isso, muitos torcedores deixaram de ir aos estádios porque o preço dos ingressos aumentou muito.”
quebra de bola
Às vésperas da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o jornalista Nelson Rodrigues (1912-1980) criou uma expressão que ele mesmo tentou explicar.
“Por complexo de vira-lata entendo a inferioridade em que o brasileiro se coloca voluntariamente em relação ao resto do mundo. Isso é verdade em todos os setores e, sobretudo, no futebol”, escreveu na edição de 31 de maio de 1958 da revista Manchete Esportiva.
“Os brasileiros precisam se convencer de que não são vira-latas e que têm futebol para dar e vender, lá na Suécia”, continuava o texto, profeticamente.
Trinta dias depois, o Brasil conquistou o primeiro de seus cinco títulos mundiais, contra a Suécia, por 5 a 2, com dois gols de Vavá, dois de Pelé e um de Zagallo. Voltou a ser campeão mundial em 1962, no Chile; em 1970, no México; em 1994, nos EUA, e em 2002, na Coreia do Sul e no Japão.
Para Juca Kfouri, o complexo de inferioridade do brasileiro foi definitivamente superado. “Quem ganhou cinco Copas do Mundo pode fazer qualquer coisa”, tranquiliza o jornalista esportivo, “exceto pensar que é ruim com a bola”.
própria meta
Antônio Ernesto Lassance de Albuquerque Júnior acredita que o complexo do vira-lata deu lugar a outro, o complexo do pitbull. Um complexo que, segundo ele, assumiu o governo em 2019.
“Era o espírito de agressividade, de rosnar para tudo e para todos, de tratar como inimigo toda e qualquer pessoa que tenha pensamento, religião, cor ou família diferente da sua”, observa Lassance.
Muitos brasileiros deixaram de torcer pelo time por causa da “cooptação” da camisa verde e amarela pela direita. A confirmação é de Marco Antônio Bettine de Almeida, doutor em Educação Física pela Unicamp e vice-coordenador do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Futebol e Modalidades Recreativas (LUDENS), da USP. “Vários jogadores saíram publicamente para defender o bolsonarismo e fazer gestos de armas”, ilustra.
Não bastasse isso, representantes das gerações Y (nascidos entre 1981 e 1996) e Z (entre 1997 e 2010) preferem apoiar clubes da Europa ou jogar jogos eletrônicos, os populares e-games.
A estratégia de se apropriar da camisa da seleção, admite José Paulo Florenzano, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), até deu certo em 1970. Mas, naquele ano, considera, o Brasil conquistou o tricampeonato no México e o país vivia um “milagre económico”.
“O futebol passou a ser, não o ópio do povo, mas o ópio do poder”, afirma. “A ilusão consistia em acreditar no poder mágico do futebol para manipular a sociedade civil.”
Em 2014, a tática não obteve o mesmo resultado. “A extrema direita procurou reviver esta crença mágica apropriando-se de um símbolo nacional. Porém, a camisa da seleção está despojada do poder simbólico que tinha dentro e fora de campo.”
Para Florenzano, o “7 a 1” representou a morte simbólica do Brasil como “país do futebol”.
“Há muito tempo que a seleção nacional já não se destaca como uma potência capaz de assustar os adversários, nem ocupa um lugar central no imaginário coletivo”, aponta o especialista, entre outros motivos.
‘Caixa surpresa’
Será que um dia o Brasil voltará a ser, como diria Nelson Rodrigues, a “pátria das chuteiras”?
Difícil dizer, diz Roberto DaMatta. Ainda mais numa Copa do Mundo que, diferentemente das anteriores, terá 48 participantes – e não mais 32.
“O futebol não é uma ciência exata. Dentro das quatro linhas tudo é possível”, afirma a antropóloga. “Até que um time seja campeão em um ano e vice-campeão no outro. Ou vice-versa.”
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