Um tribunal de Moscou emitiu um mandado de prisão para a viúva do líder da oposição russa Alexei NavalnyYulia Navalnaya, acusada de “extremismo”, segundo a mídia estatal.
O tribunal de Moscovo que condenou Navalnaya decidiu que ela deveria ser detida sob custódia e declarou-a procurada.
A decisão significa que ela poderá ser presa se pisar na Rússia.
As acusações podem estar ligadas a uma decisão do tribunal de Moscovo, em junho de 2021, que proibiu três organizações ligadas a Navalny, rotulando-as de “extremistas”.
Alexei Navalny foi um dos principais líderes da oposição contra o presidente Vladímir Putin até morrer, em fevereiro de 2024, em condições suspeitas numa prisão no Círculo Polar Ártico.
Conhecido por ser o crítico mais veemente do presidente Vladimir Putin, Navalny, que tinha 47 anos, cumpria uma pena de 19 anos por condenações consideradas por grande parte da comunidade internacional como tendo motivação política.
Agora as autoridades russas voltaram-se contra a sua viúva Yulia Navalnaya, que vive fora da Rússia. Segundo a agência de notícias Tass, ligada ao governo, as acusações contra ela seriam de suposta “participação em sociedade extremista”.
Após a morte do marido, Yulia Navalnaya acusou o governo russo de deixar Navalny faminto e de ter torturado e matado o marido.
Respondendo ao mandado de prisão contra ela, Yulia Navalnaya publicou na rede social X, o antigo Twitter, pedindo às pessoas que não se esqueçam de escrever “o principal: Vladimir Putin é um assassino e um criminoso de guerra”.
“Você pertence à prisão. E não a uma prisão de [acordo com as regras do Tribunal Internacional de] Haia, numa cela acolhedora com televisão, mas na Rússia – na mesma colónia e na mesma cela de dois por três metros em que matou Alexei”, escreveu a viúva, que prometeu continuar o trabalho do marido.
Navalny morreu em fevereiro de 2024 numa prisão no Círculo Polar Ártico. As autoridades penitenciárias disseram que a causa foi “morte súbita”.
Navalnaya já não tinha podido comparecer ao funeral do marido por medo de ser presa.
Desde então, ela se reuniu com vários líderes ocidentais, incluindo o presidente dos EUA, Joe Biden.
Este mês, ela foi eleita presidente da Fundação de Direitos Humanos, com sede nos EUA — uma organização sem fins lucrativos que trabalha para promover e proteger os direitos humanos em todo o mundo.
Ela disse que usaria seu papel para intensificar a luta que seu marido travou contra Putin.
A importância de Nalvany
Navalny foi o líder da oposição mais proeminente da Rússia na última década.
As autoridades russas afirmaram que ele morreu de causas naturais – mas a sua viúva disse que Navalny passou fome e foi “torturado, isolado e morto” pelo presidente russo, Vladimir Putin.
Navalny cumpria pena de 19 anos por acusações de extremismo que eram amplamente vistas como motivadas politicamente.
Ele ficou conhecido internacionalmente por expor a corrupção governamental, rotulando o partido Rússia Unida de Putin como “o partido dos vigaristas e ladrões”.
Ao longo da vida, cumpriu diversas penas de prisão e teve milhões de seguidores em suas redes sociais.
Em 2011, foi detido e encarcerado durante 15 dias na sequência de protestos contra uma alegada fraude eleitoral perpetrada pelo partido Rússia Unida nas eleições parlamentares.
Navalny foi preso brevemente em julho de 2013 sob a acusação de peculato, mas disse que a sentença era uma condenação política.
Ele tentou concorrer à presidência da Rússia em 2018, mas foi impedido devido a condenações anteriores por fraude em um caso que ele novamente disse ter motivação política.
Navalny foi condenado a 30 dias de prisão em julho de 2019, após convocar protestos não autorizados.
Quando ele estava na prisão, ele adoeceu. Os médicos o diagnosticaram com “dermatite de contato”, mas ele disse que nunca teve nenhuma reação alérgica aguda e seu próprio médico sugeriu que ele poderia ter sido exposto a “algum agente tóxico”.
Navalny disse na época que poderia ter sido envenenado.
Ele também sofreu uma grave queimadura química no olho direito em 2017, após ser atacado com uma substância nociva.
Em 2019, a sua Fundação Anticorrupção foi oficialmente declarada “agente estrangeiro”, permitindo que as autoridades a submetessem a maiores controlos estatais.
Em agosto de 2020, Navalny adoeceu durante um voo da Sibéria para Moscou, e o avião teve que fazer um pouso de emergência na cidade de Omsk, onde foi levado às pressas para a UTI.
Depois, após negociações de alto nível com as autoridades russas, foi levado de avião para Berlim e aí tratado, enquanto foi mantido em coma induzido.
O governo alemão afirmou que Navalny foi envenenado por uma substância sofisticada conhecida como Novichok, o que trouxe ainda mais atenção ao caso, reforçando as suspeitas de que o Estado russo estava por trás do envenenamento. O Kremlin sempre negou estas acusações.
Conhecidas como agentes neurotóxicos, essas substâncias são utilizadas na forma de pó ou líquido. E são tão perigosos que só podem ser fabricados em laboratórios avançados, que pertencem em grande parte ou são controlados pelos governos.
Inicialmente, acreditava-se que o envenenamento tivesse ocorrido através do chá que Navalny bebeu naquele dia.
No entanto, depois de se recuperar, ele localizou os indivíduos que acreditava terem participado do atentado.
Fazendo-se passar por autoridade de segurança, Navalny conseguiu enganar um especialista em armas que admitiu que o caso era de facto um caso de envenenamento.
A maior parte do agente químico teria sido plantada em sua cueca. O governo russo negou novamente as acusações.
Ainda na Alemanha, Navalny relatou que inicialmente sentiu calafrios e nenhuma dor.
“Não dói nada, não é como um ataque de pânico ou algum tipo de distúrbio. No começo você sabe que algo está errado, e então seu único pensamento é: ‘É isso, vou morrer’”.
Em janeiro de 2021, Navalny regressou à Rússia, pela primeira vez desde que foi envenenado, e foi detido pouco depois de aterrar em Moscovo.
A razão é que ele teria violado as condições de uma sentença de liberdade de anos atrás.
Um tribunal de Moscovo condenou então Navalny a três anos e meio de prisão por violar as condições de uma pena suspensa ao não se apresentar regularmente às autoridades penitenciárias.
A prisão de Navalny gerou uma onda de protestos pela sua libertação e contra o Kremlin. Milhares de pessoas protestaram em toda a Rússia, apesar da forte presença policial. Houve cenas violentas em Moscou.
A sentença foi condenada pela União Europeia, pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, que apelaram à libertação imediata do líder da oposição.
Após sua prisão, Navalny acusou Putin de ter usado recursos ilícitos para construir uma extravagante mansão no Mar Negro — avaliada em R$ 7,2 bilhões e 39 vezes o tamanho do principado de Mônaco.
Um vídeo produzido por Navalny sobre a suposta mansão de Putin foi visto mais de 100 milhões de vezes nas redes sociais.
Tratamento difícil
Depois de Navalny ter sido condenado à prisão em fevereiro de 2021, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que ele deveria ser libertado imediatamente porque a sua vida estava em risco. Mas a Rússia rejeitou a decisão.
Fez greve de fome, protestando contra o facto de as autoridades da colónia penal se recusarem a dar-lhe tratamento adequado para problemas nas pernas e nas costas.
A Amnistia Internacional chegou ao ponto de revogar o estatuto de prisioneiro político de Navalny.
Mais tarde, a organização voltou atrás e admitiu que tinha sido submetida a uma “campanha orquestrada”.
Na altura surgiram vídeos em que Navalny fazia comentários xenófobos que nunca foram desmentidos.
Em vídeos de 2007, ele parecia comparar conflitos étnicos a cáries dentárias e comparar imigrantes a baratas.
Ele também disse que a Península da Crimeia “pertence à Rússia”, apesar da condenação internacional da anexação do território ucraniano pela Rússia em 2014.
Entretanto, o governo russo continuou a sua campanha contra Navalny.
Em junho de 2022, os seus apoiantes descobriram que ele já não se encontrava na prisão original onde deveria cumprir a pena.
As autoridades penitenciárias federais admitiram mais tarde que ele havia sido transferido para uma colônia penal de difícil reputação, a prisão IK-6, a mais de 240 quilômetros a leste de Moscou, onde teria sido colocado repetidamente em confinamento solitário.
A última sentença, em agosto de 2023, estendeu a sua pena de prisão para 19 anos e transferiu-o para uma colónia penal de segurança máxima normalmente reservada aos criminosos mais perigosos da Rússia.
Este tratamento duro foi uma prova de que Putin e o seu governo temiam a influência que as campanhas de Navalny estavam a ganhar, disse a professora Nina Khrushcheva, bisneta do antigo líder soviético Nikita Khrushchev.
“Putin nem sequer menciona o seu nome, ninguém no Kremlin pode mencionar o seu nome”, disse ela, numa entrevista à BBC antes da morte de Navalny.
“Navalny é uma ameaça ao poder pessoal de Putin, à reputação pessoal de Putin. E Putin realmente não trata seus inimigos levianamente.”
Apesar de estar preso, Navalny tornou-se uma das principais vozes nacionais contra a guerra na Ucrânia.
Durante uma audiência em maio de 2022, ele acusou Putin de iniciar uma “guerra estúpida” sem “nenhum propósito ou significado”.
Em setembro, num artigo para o jornal americano Washington Post, acusou as elites russas de terem uma “obsessão sanguinária pela Ucrânia”.
A sua fundação também se manifestou contra a mobilização de cerca de 300 mil civis para lutar na Ucrânia.
Reações internacionais
A morte de Navalny foi amplamente comentada pelas autoridades internacionais.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, criticou a “obsessão” do governo russo por Navalny.
“Em primeiro lugar, se esta notícia for verdadeira, apresentamos as nossas condolências à sua esposa e família. Além disso, a sua morte numa prisão russa e a obsessão e o medo de apenas um homem destacam a fraqueza e a podridão no coração do sistema que Putin construiu”, disse Blinken.
“A Rússia é responsável por isso. Discutiremos isto com muitos outros países preocupados com o destino de Alexei Navalny, especialmente se esta notícia for verdadeira.”
O chanceler alemão, Olaf Scholz, também criticou o governo russo.
“Ainda não há uma confirmação final, mas partimos do facto de que é altamente provável que Navalny tenha morrido numa prisão russa. Isto é muito deprimente para nós”, disse Scholz.
“Eu o conheci em Berlim, quando ele estava sendo tratado na Alemanha pelas consequências do envenenamento, e falei com ele sobre a coragem que sua decisão de retornar à Rússia exigia. Agora, ele pagou por isso com a vida.”
O chanceler alemão disse ainda: “Sabemos muito bem que tipo de regime é este. Qualquer pessoa que critique, que defenda a democracia, deve temer pela sua vida e pela sua segurança. Por isso, estamos chocados”.
“Nossos pensamentos estão com sua esposa, seus filhos, seus amigos, seus seguidores. Isso é simplesmente terrível. E isso é um sinal de como a Rússia mudou. Infelizmente, esse processo começou há muito tempo, há muito que se afastou de democracia, há muito tempo que não é democracia.”
O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, disse que a notícia da morte de Navalny foi “terrível”.
“Como o mais fervoroso defensor da democracia na Rússia, Alexei Navalny demonstrou uma coragem incrível ao longo da sua vida. Os meus pensamentos estão com a sua esposa e com o povo da Rússia, para quem esta é uma enorme tragédia”, disse ele.
O ministro das Relações Exteriores da França, Stephane Sejournet, disse que Navalny pagou com a vida por resistir ao sistema de opressão criado pelo presidente Vladimir Putin.
“Alexey Navalny pagou com a vida por resistir ao sistema de opressão”, escreveu Sejournet na rede social X.
“A sua morte numa colónia penal é uma lembrança da realidade do regime de Vladimir Putin.”
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