No dia 26 de junho, o presidente da Bolívia, Luis Arce Catacora, enfrentou o que classificou como uma tentativa de golpe de Estado. O então comandante das Forças Armadas, General Juan José Zúñiga, liderou um grupo de soldados que tentou invadir a sede do governo, sem sucesso. Ele e um grupo de pelo menos outras 20 pessoas foram presos.
Mas apesar do impacto que as imagens tiveram em todo o mundo, o que parece realmente preocupar o presidente Luis Arce não é um novo levante militar, mas sim o fogo amigo do seu antigo aliado: o ex-presidente Evo Morales.
Os dois competem para ser o candidato do MAS, principal partido de esquerda da Bolívia, às eleições presidenciais de 2025.
Contra a vontade de Morales, porém, há uma decisão do Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia, em dezembro de 2023, que proibiu a possibilidade de uma pessoa poder exercer mais de dois mandatos presidenciais no país.
Morales, no entanto, questiona esta decisão e afirma que está qualificado para disputar as eleições no próximo ano.
Morales e Arce eram aliados de longa data. Arce foi ministro da economia durante os governos de Evo Morales, entre 2006 e 2019. Após a renúncia de Evo Morales em 2019, Arce contou com o apoio do líder coca, que foi impedido de disputar eleições, e foi eleito presidente em 2020.
O apoio, porém, terminou no ano seguinte e agora, segundo Arce, a ala “evista” do MAS na Assembleia Legislativa promove um boicote ao atual governo.
Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil e à BBC News Mundo concedida na sede do governo boliviano, em La Paz, Luis Arce disse, sem fornecer provas, que o tentativa de golpe no dia 26 de junho teria ocorrido por “interesses estrangeiros” nos recursos naturais do país.
“Sempre por trás de todos os golpes de estado que o nosso país sofreu estiveram interesses em controlar e dominar os nossos recursos naturais”, disse Arce.
Arce também não poupou críticas ao seu ex-aliado. Segundo o presidente, Evo Morales quer voltar a ser presidente “por bem ou por mal” e classificou esta tentativa como “teimosia”.
“A teimosia de continuar sendo candidato é o que está gerando tudo isso”, disse Arce, referindo-se à fratura na esquerda boliviana.
Leia abaixo os principais destaques da entrevista:
BBC News Brasil e BBC News Mundo – Os senhores disseram que havia interesses estrangeiros por trás da tentativa de golpe de 26 de junho. A quais países ou empresas você está se referindo diretamente?
Luís Arce É claro que a Bolívia é um país extremamente rico em recursos naturais. Somos a primeira reserva de lítio do mundo. Temos terras raras, temos grandes reservas de água doce, minerais, gás. Há muito tempo que somos um país muito cobiçado e por detrás de todos os golpes de estado que o nosso país viveu houve interesses em controlar e dominar os nossos recursos naturais. Portanto, está claro que este golpe não foi simplesmente para assumir o governo, mas para assumir o controle dos recursos estratégicos que temos na Bolívia.
BBC – Mas de quais países você está falando especificamente? NÓS? Europa?
Luís Arce – Estamos investigando.
BBC – O general Juan José Zúñiga disse que este golpe, ou esta tentativa de golpe, foi o resultado de um acordo consigo para melhorar a sua popularidade. Presidente, foi um autogolpe?
Luís Arce – Certamente não. Todos vocês viram na televisão e felizmente estavam lá. Não eram apenas imagens de televisão. Tinha gente filmando tudo ali. Eles ouviram exatamente quando eu o instruí (Zúñiga) a retirar as tropas.
BBC – Como você caracteriza a intenção de Evo Morales de concorrer mais uma vez às eleições presidenciais?
Luís Arce – Isso é algo que deve ser perguntado diretamente. É claro que não concordamos com a forma como ele pretende executar o instrumento político. É por isso que as próprias organizações sociais, fundadoras do MAS, têm dado diversas oportunidades ao camarada Evo para realizar uma assembleia geral conforme exige o estatuto […] Então aqui temos uma grande diferença com o companheiro Evo. Acreditamos que o instrumento deverá regressar às mãos dos seus fundadores originais.
BBC – Evo Morales pede a realização de eleições primárias para definir o candidato às eleições do próximo ano…
Luís Arce É a sua posição…
BBC – Mas você é contra?
Luís Arce – Apoiámos o consenso maioritário que existe, que incluiu as organizações sociais fundadoras (do MAS). A maioria propôs, para não prejudicar o calendário eleitoral, que se realizarmos as primárias, o calendário eleitoral dos próximos 365 dias será complicado. Concordamos em não prejudicar a realização de eleições judiciais, nacionais e subnacionais […] O Tribunal Eleitoral foi muito claro e expressou que o que é necessário é uma lei de consenso entre os partidos políticos que têm representação parlamentar para que seja aprovada uma lei que elimine temporariamente as eleições primárias em 2024, conforme estipulado.
Evo Morales condicionou o apoio a esta proposta desde que o tribunal reconhecesse o congresso de Lauca Ñ como o único congresso do MAS e ninguém o aceitasse. E diante dessa negação, ele recuou e não assinou o acordo que todos nós havíamos assinado para viabilizar as eleições judiciais.
Agora vemos quem está verdadeiramente a criar obstáculos às eleições judiciais.
[Nota da redação: em outubro de 2023, Morales liderou uma reunião do MAS na localidade de Lauca Ñ onde ele foi aclamado como candidato do partido à presidência em 2025. O Tribunal Supremo Eleitoral da Bolívia, no entanto, anulou a reunião devido a supostas irregularidades e determinou a realização de um novo congresso]
BBC – Você acredita que esta tentativa de Evo é boa para a democracia boliviana?
Luís Arce – Temos uma opinião muito clara sobre este assunto. A Constituição Política do Estado deve ser respeitada. Isto está claro. Para nós, não pode haver nada acima disso. Esta é uma intenção pessoal. É por isso que apoiamos a posição das nossas organizações sociais, que são as fundadoras do instrumento político e que dizem que Evo já não controla o MAS […] Se o instrumento político está nas mãos das organizações sociais, quem decide quem será candidato a presidente, senador, deputado, seja o que for, são, portanto, os donos do instrumento político, que são as organizações sociais.
Por outro lado, a posição de Evo Morales é mais uma vez ser presidente a todo custo. Como ele disse diversas vezes em suas comunicações, por bem ou por mal, seja o candidato.
BBC – Ontem houve conflitos entre “evistas” e “arcistas” na Praça Abaroa [uma das principais praças de La Paz]. Você acredita que esta fratura é boa para a democracia boliviana? E quem está criando essa fratura?
Luís Arce – Ambas as questões são claras. Quem está quebrando o instrumento político é Evo Morales, que não reconhece os legítimos donos do instrumento político. Isto está claro. E por consequência, a teimosia de continuar candidato é o que está gerando tudo isso. Porque tudo o que acontece com o governo nacional, o boicote económico que temos na Assembleia Legislativa, é fruto de toda a ala “evista” que boicota, que não aprova.
A intenção de dividir as organizações sociais e tudo o que está acontecendo… você viu as lutas que você mencionou, tudo isso é provocado com o único objetivo de Evo ser o candidato do MAS.
E é por isso que dizemos que existe um grupo, que é a maioria e são todas organizações sociais, com a maioria de activistas, e que está a dizer que deixamos este problema para ser resolvido pelas organizações sociais que pela terceira vez são as donas e fundadores do instrumento político.
BBC – No passado, especialistas diziam que o presidente Lula tinha grande liderança na região. Agora, porém, afirmam que esta liderança já não é tão eficaz. O que aconteceu na região? Você acredita que a capacidade de liderança de Lula está prejudicada?
Luís Arce – Eu penso completamente o contrário. O presidente Lula, com o grupo BRICS e suas viagens internacionais nos primeiros meses de mandato, gerou um clima internacional muito favorável para a economia brasileira, mostrando sua capacidade e liderança para liderar o Brasil e estar à altura do desafio do que está acontecendo hoje em o mundo com esta nova ordem internacional. E eu digo mais. Estamos muito satisfeitos que o camarada Lula esteja agora olhando para a região. Porque todos na região reconhecem que o Brasil é um farol de desenvolvimento e crescimento e que tem liderança no país.
Não vimos isso com (Jair) Bolsonaro ou outros presidentes de direita, mas com Lula isso é muito marcante. Sua liderança, carisma e clareza sobre a região. O camarada Lula está demonstrando não apenas a capacidade de levar o Brasil adiante, mas também a liderança na região em nível global, o que todos aqui na região reconhecem.
BBC – Qual é a sua responsabilidade na crise econômica que a Bolívia atravessa neste momento? Na campanha eleitoral, prometeu que a Bolívia poderia ganhar até 4,5 mil milhões de dólares com o lítio, mas até agora a economia do lítio não se desenvolveu. O que aconteceu à economia e porque é que a economia do lítio não se desenvolveu?
Luís Arce O lítio está avançando. Pela primeira vez, estamos entrando, como bolivianos, na industrialização. Temos três contratos assinados com duas empresas chinesas e uma russa. Não é como se não tivéssemos feito nada. Já foram aprovadas três plantas piloto para desenvolver a produção, testar a tecnologia e avançar a produção e posteriormente, com a industrialização (de lítio). Também assinaremos um contrato maior que estamos negociando atualmente para consolidar a planta de industrialização para que a Bolívia possa participar de toda a cadeia produtiva.
Em relação à economia, veja, o problema é que todos acreditam que o país vivia o seu pico econômico quando entramos no governo em 2020. Isso é falso. A Bolívia vivia a sua pior crise económica sob o governo anterior. Tivemos um déficit fiscal em torno de 11% em relação ao PIB. Tivemos uma recessão em outubro de 2020 de 12%. Este foi um crescimento negativo […] No tema económico, tive que resolver uma recessão de 12%. E no primeiro ano estávamos crescendo 6%. Quer dizer… a recessão de 12% que tivemos, somou 6%.
BBC – Mas presidente…
Luís Arce – Deixe-me explicar por que senão você me pergunta, mas não me deixa responder e então não vamos a lugar nenhum. Você me perguntou e eu estou respondendo […]. no tema económico, tivemos que resolver uma recessão económica de 12% e no primeiro ano estávamos a crescer 6%. Ou seja: a recessão de 12% e mais 6%. Ou seja: crescemos 18%.
BBC – Tenho duas últimas perguntas para você. A primeira é: o que você acredita que poderia acontecer com a Bolívia se Evo Morales concretizasse sua intenção de concorrer novamente? A segunda é: no passado, Elon Musk disse que poderia tirar qualquer presidente do poder e que a sociedade teria que lidar com isso. Você tem medo de Elon Musk?
Luís Arce – São várias perguntas (risos). Eu vou te dizer muito claramente. Felizmente, se tiramos algo de positivo do golpe fracassado de 26 de Junho, é que o povo saiu e defendeu a democracia. A democracia é o maior bem que temos como povo boliviano e eles não nos tirarão isso facilmente. E sentimos o apoio das pessoas. Eles sabem que estamos envidando todos os esforços diante de um cenário totalmente adverso. Evo Morales nunca teve um Evo Morales como adversário. Sim nós fazemos. Temos o direito e temos interesses internacionais que estão sobre nós e ainda assim a Bolívia continua a crescer, tem uma economia estável e a Bolívia tem um futuro com a industrialização através da substituição de importações, especialmente dos seus recursos naturais. Então vamos em frente.
BBC – E quanto a Elon Musk?
Luís Arce – Muito obrigado.
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