O Judiciário volta do recesso nesta quinta-feira e pode julgar em breve um tema que promete causar mais atritos no Legislativo: a discussão sobre norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) que dificulta o aborto legal no país. A resolução está suspensa por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e ainda não consta da pauta oficial da Corte.
No entanto, o presidente, ministro Luís Roberto Barroso, pode colocar o tema para análise em sessões extraordinárias que estão “vagas” na Justiça. A decisão de Moraes começou a ser julgada no plenário virtual do STF, mas foi interrompida por um pedido de destaque do ministro Nunes Marques, que exige que o caso seja avaliado presencialmente.
A resolução do CFM proibiu o uso de técnica clínica – assistolia fetal – para interromper gestações acima de 22 semanas após violência sexual. O método, considerado o mais seguro pelas entidades médicas, consiste no uso de medicamentos para interromper os batimentos cardíacos fetais, antes de sua retirada do útero.
O caso é considerado polêmico e tem relação direta com o que está sendo analisado no Congresso Nacional. Na avaliação de Moraes, há indícios de abuso do poder regulatório por parte do CFM ao limitar a realização de procedimentos médicos reconhecidos e recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e previstos em lei.
A juíza afirmou que, aparentemente, o Conselho ultrapassou a sua competência regulatória, impondo tanto ao profissional médico quanto à gestante vítima de estupro uma restrição de direitos não previstos em lei, “capaz de criar constrangimentos concretos e significativamente preocupantes para a saúde da mulher”.
A liminar de Moraes levou a bancada evangélica da Câmara dos Deputados a buscar a aprovação de projeto de lei que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gravidez, mesmo em casos de estupro, ao crime de homicídio. A proposta ficou conhecida como Projeto de Lei do Estupro.
Para a advogada Beatriz Alaia Colin, especialista em direito penal, o STF tem sido ator fundamental na reafirmação da legalidade do aborto nos casos previstos em lei. “Persiste a possibilidade de retrocessos, com a ameaça de novas propostas de criminalização do aborto no Legislativo. Essa perspectiva gera grande preocupação, pois a criminalização não elimina o aborto, mas o torna mais inseguro e aumenta o risco de complicações à saúde da mulher”, disse. destaques.
O advogado criminalista Rafael Paiva, especialista em violência doméstica, ressalta que o Projeto de Lei do Estupro é inconstitucional. “O Judiciário tem uma interpretação que é pró-direitos das gestantes. O Legislativo tenta elaborar a lei para haver a criminalização. Se isso acontecer, teremos um posicionamento do STF de que essa lei seria claramente inconstitucional”, destaca.
Direito negado
Na semana passada, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, autorizou o aborto de uma menina de 13 anos, que foi estuprada, mas teve seu direito de interromper a gravidez negado pela Justiça da Justiça de Goiás (TJ-GO), que acatou pedido do próprio pai.
A menina, estuprada por um homem de 24 anos, estava na 25ª semana de gravidez. Ao proibir o aborto, a juíza Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do TJGO, acatou o argumento do pai de que “não há laudo médico que indique risco na continuidade da gravidez”, que “o crime de estupro está pendente de investigação” e que a filha estava “se sentindo pressionada pelas imposições do Conselho Tutelar”.
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