Tudo indica que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levará adiante com a barriga a decisão de reconhecer ou não a vitória da oposição ao governo de Nicolás Maduro. Em última análise, ele tem até o final do atual mandato do ditador venezuelano, que vai até março de 2025, para tomar uma decisão. É uma eternidade para a oposição, liderada por María Corina e Edmundo González, que sofre fortes perseguições policiais e legais. Ambos estão escondidos.
Tarek William Saab, procurador-geral da Venezuela, abriu uma investigação criminal contra os dois opositores por seis crimes, incluindo instigar uma insurreição. O Supremo Tribunal de Justiça determinou que Edmundo compareça, esta quarta-feira, para não reconhecer ninguém até à publicação das atas das mesas de votação.
Lula se meteu em problemas políticos ao assumir uma posição “neutra” em relação à eleição fraudulenta de Maduro. O distanciamento diplomático do aliado chavista não é suficiente aos olhos da opinião pública brasileira, que exige de Lula uma posição mais afirmativa, tendo a democracia como um divisor de águas na relação com a Venezuela.
A aproximação ideológica com Maduro também complica a vida dos candidatos petistas nas eleições municipais. São questionados pelos opositores, porque o partido reconheceu oficialmente a reeleição do presidente venezuelano, assim que este se declarou vitorioso. Nos debates, os petistas lutam para responder se apoiam ou não a ditadura de Maduro, como aconteceu com Maria do Rosário, candidata à prefeitura de Porto Alegre.
A questão da Venezuela também é um complicador para Lula na relação do Brasil com os Estados Unidos, porque a posição do presidente Joe Biden, com quem o chefe de Estado brasileiro tem conversado, foi a de reconhecer a eleição de Edmundo González. Biden desistiu da reeleição e passou a tarefa de enfrentar o ex-presidente Donald Trump para a vice-presidente Kamala Harris, cuja postura diante da situação venezuelana é ainda mais dura.
Mais dura ainda é a posição de Donald Trump, que durante o seu governo chegou a propor ao presidente Jair Bolsonaro uma intervenção militar na Venezuela, mas os militares brasileiros não aderiram ao frio. Num contexto eleitoral como o norte-americano, a tendência é que Joe Biden aumente as sanções contra a Venezuela e pressione todos os aliados a fazerem o mesmo. A política externa é sempre uma agenda prioritária nas campanhas presidenciais dos EUA.
Ameaças de recessão
Este fator político não é a única variável imponderável para Lula em relação aos Estados Unidos. Há também a questão econômica. Na segunda-feira, um relatório sobre a queda dos níveis de emprego em julho gerou um sentimento geral de risco nos mercados, já que os números sinalizam a possibilidade de recessão na economia norte-americana.
Bastou o Banco Central do Brasil (BC) sinalizar que poderia aumentar a taxa de juros, se necessário. “Concluiu-se por unanimidade que há necessidade de uma política monetária ainda mais cautelosa e de um acompanhamento diligente da evolução do cenário”, destacou a ata do Copom.
O BC avalia que é provável aumento da inflação, porque os preços estão pressionados. O nível de emprego e a produção industrial mostram uma economia em expansão, mas o problema fiscal continua na agenda. O aumento dos gastos públicos e a ameaça de ultrapassagem do quadro fiscal geram incerteza sobre o futuro da economia, ainda mais dada a situação nos Estados Unidos. E o governo não consegue cortar gastos na escala necessária.
Combinando os dois aspectos, a questão eleitoral e o problema da economia dos Estados Unidos, pode ser que o campo de manobra de Lula se torne muito mais complexo. O que antes poderia ter sido uma estratégia para reconhecer a reeleição de Maduro, a divulgação das atas e a posição da Justiça venezuelana, tornou-se uma armadilha da qual Lula não tem saída, a não ser não reconhecer a sua reeleição.
A manobra para ganhar tempo, aguardando o fim do mandato de Maduro, só pode servir para aumentar o desgaste, porque os fatos na Venezuela e o embate eleitoral nos Estados Unidos são variáveis não controladas por Lula. Tudo isso ocorre num cenário interno de eleições municipais, em que os candidatos do presidente Lula não têm vida fácil. Uma derrota eleitoral do PT em nível local tende a complicar a situação no Congresso, devido à insatisfação dos candidatos derrotados.
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