A democracia está passando por turbulências em todos os lugares. A Revolução Digital trouxe benefícios inimagináveis para a vida das pessoas, mas, ao mesmo tempo, transformou radicalmente as sociedades e as economias. Nas democracias, o poder tornou-se muito mais transparente e, com acesso a muito mais informação, a população multiplicou as suas exigências ao Estado, exercendo grande pressão sobre o sistema político.
Nas sociedades fechadas, governadas por regimes autoritários, sem competição política e sem liberdade de expressão, o desconforto das pessoas não constitui tensão social e o silêncio e o aparente conformismo dão a impressão de paz social e política. Além disso, os governos são mais activos, no sentido de que as políticas públicas são decididas sem discussão e a execução é realizada sem complicações. São governos que podem fazer muito e também cometer muitos erros, e cometem frequentemente, mas os erros são descobertos mais tarde.
As instituições políticas da democracia foram desenvolvidas há muito tempo, num ambiente muito diferente do que existe hoje. Confrontadas com a velocidade e a profundidade das mudanças provocadas pelas novas tecnologias da informação, as democracias estão sob graves ataques. O capitalismo sempre foi um sistema que produziu desigualdades, mas a Revolução Digital separou ainda mais as pessoas e, ao mesmo tempo, tornou estas desigualdades mais transparentes. Os governos sujeitos a processos democráticos de decisão e execução de políticas públicas são mais lentos e sujeitos a sérios impasses e paralisias. É natural que a grande maioria da população, além do medo da mudança, se sinta desprotegida e abandonada pelo Estado. Daí para a tentação do populismo autoritário é um salto rápido.
Em tempos de normalidade, as instituições democráticas são difíceis de reformar. O sistema partidário, o sistema eleitoral, o funcionamento do Parlamento, os órgãos do Poder Judiciário, os benefícios e privilégios de toda a numerosa classe dominante, desde o vereador e o juiz do pequeno município até às cúpulas do poder, toda esta imensa máquina Os que estão no poder estão sempre confortáveis com o status quo e, apenas em casos excepcionais, não conseguem reagir a mudanças que coloquem a sua posição em risco. Se estas instituições, no entanto, não forem profundamente reformadas, o antagonismo entre o governo e a população tenderá apenas a crescer, e poderá um dia atingir um ponto de ruptura.
Nas democracias mais maduras, os eleitores ou se abstêm em grande número ou têm demonstrado insatisfação com os governos e grande dificuldade em formar maiorias claras. Na ausência destas maiorias e de consensos claros, os governos arrastam-se na sua rotina e recorrem a polarizações estéreis que servem apenas para disputas de poder e nada mais. Governos transformadores, com apoio social e capazes de partilhar visões construtivas, são cada vez mais raros. Sem eles, as democracias deixam de funcionar.
Apesar da aparente serenidade, o Brasil é um país em crise. A economia está a crescer muito abaixo do que seria necessário para sermos uma nação com uma grande maioria de classe média. Além disso, vivemos à beira de uma crise fiscal e com perspectivas sombrias de crescimento futuro, devido ao declínio dos investimentos e ao ambiente de insegurança causado pela imprudência legislativa e por um Judiciário errático, para dizer o mínimo.
Em vários países, as imperfeições da democracia no tratamento das mudanças tecnológicas e das suas consequências têm causado surtos de desordem entre a população. Entre nós, a desordem vem principalmente das instituições, cujos membros distorcem as leis em seu benefício e vivem da captação de recursos públicos em seu benefício, como bem demonstrou o professor Bruno Carazza em seu recente livro O País dos Privilégios.
As instituições da República, todas elas, têm operado de costas para o interesse público e sem piedade para a maioria dos brasileiros. É preciso, porém, ter imaginação suficiente para que não morra dentro de nós a esperança de que, mesmo que aos poucos, essas realidades um dia sejam transformadas.
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