O livro Quem mexeu no meu queijo (Record), de 1998, é o maior sucesso de Spencer Johnson, psicólogo norte-americano que escolheu a literatura para apresentar seus estudos sobre o comportamento humano. Escreveu duas dezenas de livros, mas foi esta parábola sobre as dificuldades das pessoas que enfrentam a mudança que se tornou um best-seller, especialmente entre os executivos impactados pelas mudanças da revolução digital. O livro de autoajuda já foi traduzido para quase 40 idiomas e vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares no Brasil.
O romance, com pouco mais de 100 páginas, começa com um reencontro entre antigos colegas de escola de Chicago. O grupo fala sobre a vida. Diante das lamentações de ex-colegas, Michael, um dos participantes do encontro, conta uma história que mudou sua forma de ver as mudanças.
“Há muito tempo, num país distante, quando as coisas eram diferentes, quatro pequenos personagens corriam por um labirinto em busca de queijo, que os alimentasse e os fizesse felizes. Dois eram ratos, chamados Sniff e Scurry, e dois homenzinhos — seres tão pequenos quanto ratos, mas que se pareciam muito com as pessoas de hoje e agiam como elas. Seus nomes eram Hem e Ham”, diz Michael.
No labirinto, Sniff, Scurry, Hem e Ham viveram uma vida tranquila depois de encontrarem uma quantidade absurda de queijo. Os dois ratos e os dois homens não precisavam mais correr pelos corredores do labirinto em busca de comida. Porém, os dias, semanas, meses e anos se passaram, e o caldo de queijo, aos poucos, foi sendo consumido sem que ninguém percebesse. Até que um dia o queijo acabou.
O choque ao final da alimentação foi diferente entre ratos e homens. Cada par de personagens age de maneira diferente. Alguns insistem em manter a rotina, enquanto outros se dispõem a se aventurar novamente pelos corredores do labirinto, como fizeram no passado. Quem mexeu no meu queijo é uma grande parábola sobre a complacência, o apreço exagerado pela rotina e a aversão às mudanças impostas pela vida.
Um pouco de medo pode ser bom para sair da zona de conforto. Mas não é bom quando o medo existe e você não pode fazer nada. Você não pode esperar resultados diferentes se fizer tudo sempre da mesma maneira. É mais ou menos isso que está acontecendo com a política brasileira, especialmente no Congresso. O país está patinando; corta impostos com uma mão e aumenta os gastos públicos com a outra. A conta não fecha. A reforma tributária é aprovada e os privilégios são mantidos.
Entre Poderes
Como não há transparência quanto à aplicação dos recursos do Orçamento da União, os parlamentares não precisam mais se preocupar com o sucesso das políticas públicas nem prestar contas do exercício do seu mandato aos seus eleitores. Eles simplesmente usam os recursos para “comprar” a própria reeleição, cooptando prefeitos, vereadores e colportores eleitorais, sem falar na formação de caixa dois eleitorais, que continua. Cada deputado, por exemplo, tem mais de R$ 60 milhões em alterações tributárias para gastar como quiser, parte deles diretamente no terceiro setor, sem passar por nenhum órgão de controle.
Não é por outra razão que a reação do Congresso às liminares do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre as emendas obrigatórias ao Orçamento, principalmente as chamadas emendas do Pix e as emendas da comissão, que reeditaram o segredo alterações ao Orçamento da União. O ministro determinou que a execução de todas as emendas obrigatórias seja suspensa pelo Executivo até que o Congresso garanta a transparência dessas emendas, o que é um preceito constitucional. Ou seja, mexeu com o queijo da excelência às vésperas de uma eleição.
O mais incomodado é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cujo poder é anabolizado pelas emendas do Pix e pelas emendas da comissão, num pacto com os líderes da bancada, que decidem quem e para onde vão. Acuada, a ala política do Palácio do Planalto acusa Dino de desencadear uma crise entre Congresso e Judiciário, que acaba caindo no colo do Executivo. Após a liminar, Lira ligou para o ministro da Casa Civil, Rui Costa, para informar que as propostas de interesse do governo estavam suspensas. O pretexto é que Lula incentivou Dino a suspender a execução das emendas.
Na noite de quarta-feira, a poderosa Comissão Mista de Orçamento decidiu retaliar o Judiciário e rejeitou a Medida Provisória 1.238/24, que abre crédito orçamentário de R$ 1,3 bilhão para o Poder Judiciário e o Conselho Nacional do Ministério Público. Vamos ver se magistrados e procuradores, que também gastam muito, apertam os cintos e enfrentam o problema. Ou desistirão de uma decisão constitucionalmente correta?
A liminar não inclui recursos destinados a obras em andamento ou ações de resposta a calamidades públicas. Foi encaminhado pelo ministro Dino ao plenário virtual. Agora, aguarda resposta dos demais ministros. As alterações obrigatórias são alterações individuais de transferências especiais, as chamadas alterações Pix, cuja destinação independe de projeto ou dotação pré-estabelecida, no valor de R$ 25 bilhões; alterações de transferências individuais com finalidade definida, ou seja, forma de aplicação dos recursos e finalidade específica; emendas das bancadas estaduais, no valor de R$ 11,3 bilhões para essas emendas, sem que os autores sejam conhecidos. É muito queijo.
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