Nas salas de aula, quando se fala em golpes de Estado no Brasil, os atos de 1930, que levou Getulio Vargas ao poder, e os de 1964, com o início dos governos militares, são sempre os mais lembrados. Porém, o jornalista e escritor Ricardo Lessa remonta ao início do século XIX para contar sobre o conturbado processo de independência do Brasil e da primeira Assembleia Nacional Constituinte, que culminou no que ele defende ter sido o “primeiro golpe” do país.
“É um golpe militar que, na época, foi caracterizado como tal, inclusive por alguns monarquistas. Um golpe violento, como menciono no livro, e que abre uma história de golpes militares”, diz Lessa ao Correio Brazilienseem referência ao recentemente lançado O primeiro golpe do Brasil. O jornalista foi o apresentador do programa Roda Vivana TV Cultura, além de ter trabalhado nas redações de alguns veículos de imprensa do país, como Correspondência.
Após a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, uma série de episódios ocorreram nos bastidores do mais alto nível da monarquia brasileira. Com o regresso de D. João VI a Portugal, o filho mais velho, D. Pedro I, decidiu ficar no país para manter o legado do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, que antecedeu o período do Império Brasileiro.
Com o Brasil independente e Pedro de Bragança no trono, foi necessário formar uma constituição para o novo país. Uma primeira assembleia constituinte foi convocada em maio de 1823, motivada por ideias liberais que pretendiam alinhar o Brasil com os novos países surgidos na América desde o final do século XVIII. Apesar disso, lembra Lessa, a assembleia foi dissolvida pelo imperador, que perseguia os republicanos, promovia a censura à imprensa e se alimentava da escravidão, como fala o autor em sua obra.
No ano seguinte, o próprio monarca liderou uma nova assembleia constituinte que culminou na Carta Magna de 1824, concedida, e a primeira do país, que vigorou até o fim do Império, em 1899. “D. Pedro I fez uma constituição concedida em que estava acima da Lei. Então, isso é uma contradição, em termos de você ter um rei acima da Constituição As Constituições foram inventadas para subjugar os reis. Estamos cercados por repúblicas por todos os lados e ficamos com uma monarquia escravista no Ocidente, enquanto isso não existia mais no mundo. , enfatiza Lessa.
O jornalista compara o que aconteceu em 1823, no Brasil, com o que aconteceu anos antes, na França, com Napoleão Bonaparte. O déspota francês demitiu o Diretório da Revolução e substituiu-o por um consulado, no que ficou conhecido como o “Golpe do 18 Brumário”. “Isso é conhecido como ‘golpe de estado’ na França e aqui chamamos de golpe de estado. Houve o fechamento de um órgão constitucional pela força das armas. “, acrescenta o autor.
No livro, ele também desmistifica a figura heroica do primeiro imperador do Brasil. Para ele, D. Pedro I estava longe de ser o libertador ideal, como o definem algumas correntes históricas. “A monarquia é do gosto de quem quer o despotismo. Quem quer governar acima das leis, que foi o que Dom Pedro I fez. Porque a Constituição que ele concedeu não era a mesma que estava sendo discutida e que foi apresentada a ele em setembro”, sugere Lessa.
Dias de hoje
Com o avanço do autoritarismo em países de diversos continentes do mundo, como Venezuela, Coreia do Norte e Nicarágua, a definição de déspota pode ser atualizada para os tempos modernos. Na visão de Lessa, o sonho dos déspotas é o governo de um só homem, como está implícito na formação da palavra “monarquia”, que vem da combinação do prefixo “mono” que significa “um” com o termo grego “arquia”. , que indica “liderança”.
“Os déspotas modernos não têm raízes familiares como acontecia na Idade Média, quando a Igreja abençoava uma família, como os Habsburgos ou os Bragança. Eram famílias aristocráticas que tinham o poder divino de governar grandes territórios, mas o ‘séquito de a história ‘tirou o poder dessas famílias”, sustenta o jornalista. “O que se tem hoje é o ressurgimento dos déspotas, que querem submeter o Legislativo e o Judiciário, que são as bases da República, à sua vontade”, acrescenta.
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