A pouco mais de um mês do primeiro turno das eleições municipais, a maior cidade do país acompanha com atenção e certa perplexidade a ascensão de um candidato que, sem estrutura partidária, usa dinheiro próprio e a grande capacidade de engajamento de redes sociais até confundir as campanhas dos adversários e se colocar definitivamente como um dos favoritos à vitória nas urnas.
Ao se disfarçar de outsider, antipolítico e de língua solta, sem filtros, o empresário e técnico Pablo Marçal, do anão PRTB, “bagunçou” a disputa pelo comando da maior cidade da América do Sul. Em menos de um mês de pré-campanha, saiu da posição de azarão para aparecer, pela primeira vez, à frente de uma grande pesquisa de intenção de voto.
O Instituto Veritá divulgou esta terça-feira o resultado da sua mais recente pesquisa na capital paulista — realizada entre 22 e 26 de agosto, com três mil entrevistados —, na qual Marçal aparece com quase 31% das intenções de voto, o que o coloca à frente do até então “favorito” Guilherme Boulos (PSol), com 21,6%; o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), com 14,2%; o apresentador de TV José Luiz Datena (PSDB), com 6,3%; e a deputada federal Tabata Amaral (PSB), que registrou 5,8%.
Os números impactam diretamente a campanha à reeleição de Nunes, que busca votos da mesma fatia de eleitores de Marçal.
Enquanto Boulos se consolida como o candidato preferido da parcela da população mais identificada com a esquerda, Marçal avança rapidamente sobre o eleitorado conservador, os órfãos do bolsonarismo e a comunidade evangélica, exatamente o mesmo público que Nunes tenta cativar para permanecer no cargo por mais tempo. quatro anos.
O prefeito enfrenta um adversário que não tem limites — nem mesmo perante a Justiça Eleitoral —, não mede palavras e domina as estratégias de comunicação nas redes sociais como poucos.
O influenciador também se enquadra no modelo de família conservadora “tradicional” — é casado com a namorada adolescente, Carol Marçal, também influenciadora digital e palestrante, assim como o marido dela —, faz parte da comunidade evangélica, prega contra o esquerda e tem uma história de vida que cria identificação com os mais pobres, ancorada na teologia da prosperidade, que exalta as conquistas materiais como retribuição divina pelo esforço individual.
Para o cientista político Leonardo Barreto, Marçal tem duas diferenças fundamentais em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que ajudam a explicar o avanço de sua candidatura: a diferença de gerações e o vínculo autêntico com os evangélicos neopentecostais.
“Marçal não é Bolsonaro, mas poderia ser Bolsonaro 2.0. A primeira diferença é claramente geracional. Bolsonaro apoia o regime militar, o que levou à rejeição do seu nome. Marçal é de outra geração”, analisou Barreto. “Outro ponto é que ele seculariza o discurso da prosperidade. Ele traz isso de fábrica, foi moldado no universo evangélico. Ele prega que a política tem que ser um instrumento para as pessoas prosperarem economicamente”.
Na avaliação do cientista político, “o que não pode escapar à compreensão é a ligação social de Marçal”. “É um discurso familiar aos neopentecostais, e ele não precisa da intermediação de pastores para passar essa mensagem. Bolsonaro estava nas mãos de Silas Malafaia, de Edir Macedo”, destacou. “O Marçal nem precisa entrar em temas polêmicos, como o aborto. Ele tem formação, sabe se comunicar nesta era digital como ninguém, é puro entretenimento.”
Confronto
Com esse repertório, Marçal se esquiva de acusações, arranja brigas, ataca adversários e desafia a própria Justiça Eleitoral com suas estratégias de promoção nas redes sociais em confronto com a legislação. Tudo moldado para caber num tweet, num vídeo do Instagram.
Na segunda-feira, em entrevista ao CNNo influenciador teve uma dura discussão com um jornalista sobre ser condenado a cinco anos de prisão semiaberta por envolvimento em uma quadrilha de fraude bancária.
Após o programa, Marçal dirigiu-se ao entrevistador e disse que “aquilo (a discussão) foi apenas para gerar cortes” — no jargão das redes sociais, produzindo pequenos trechos de depoimentos para serem “cortados” (editados), publicados em suas contas pessoais e multiplicados por seus seguidores.
No mesmo dia, na Globo News, ela não demonstrou constrangimento ao contar a um dos âncoras que ela e o Grupo Globo serão processados por “espalhar mentiras” sobre sua estratégia de promoção de postagens, que é investigada pela Justiça Eleitoral por supostamente contornar legislação que impeça este tipo de alavancagem na publicidade política.
Para já, por ordem judicial, as redes sociais do treinador estão bloqueadas (ele pode criar novas contas, sem ligações a boosters), o que tem alimentado o discurso de que é vítima de “censura”. E assim, de luta em luta, ele sobe na escada das intenções de voto.
Não há limites para Marçal. Na semana passada, ele atingiu Guilherme Boulos com uma acusação sem provas de que o candidato do PSol é usuário de drogas. Depois, disse que Tabata Amaral tem tempo para estudar as propostas do governo porque “não tem marido”. Sobre Ricardo Nunes, repete que é um “esquerdista infiltrado” na direita.
Ao falar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o influenciador costuma repetir em suas entrevistas que “torce” para que ele tenha um bom governo, mas que tem a “humildade de Joe Biden (presidente dos Estados Unidos)” e dá concorrendo à reeleição em 2026.
Bolsonarismo
A ascensão de Marçal incomoda particularmente o bolsonarismo, que o vê como uma ameaça à liderança de Bolsonaro na direita. O treinador jura que não rompeu com o ex-presidente, mas não esconde a animosidade com o filho 02, o vereador Carlos Bolsonaro, a quem costuma se referir com insultos. “Não sou o sucessor de Bolsonaro, não sou o novo Bolsonaro”, repete frequentemente em suas entrevistas.
Esta semana, porém, ele cunhou outro slogan para as redes sociais, declarando que “o direito não tem dono”. E é esse eleitor que votou em Bolsonaro em 2022 que está na mira do candidato do PRTB. Para consternação da equipe de campanha do prefeito de São Paulo, que sentiu o golpe, mas ainda não definiu uma estratégia para minar a sangria de eleitores ligados ao bolsonarismo.
Ao contrário de Boulos, que tem evitado polemizar com Marçal para não amplificar a guerra de narrativas nas redes sociais, Tabata Amaral deu uma reviravolta na sua campanha esta semana. Em quinto lugar na pesquisa Veritá, o deputado federal decidiu chamar o influenciador para a briga e cobrou publicamente a presença de Marçal no próximo debate entre os candidatos, marcado para domingo.
O marqueteiro da campanha, o jornalista Pedro Simões (que trabalhou na comunicação digital do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes), resumiu a mudança de postura do candidato: “Um golpe, uma proposta”, disse, em entrevista ao portal UOL .
“O Tabata escolheu um caminho muito interessante, de ir em frente. Mas acaba favorecendo o Boulos, faz o trabalho sujo da campanha negativa contra o Marçal. O Boulos, então, joga parado. . É aí que Marçal vai concorrer com Boulos (o ex-ministro José) Dirceu previu isso e Datena será um nome importante para Tabata (Datena chegou a ser cogitado como vice na chapa do candidato do PSB), poderá revigorar a candidatura dela. , destacou Leonardo Barreto.
Para Marçal nada muda. “Nas eleições vale tudo. É guerra. Depois cada lado levanta a bandeira branca”, declarou ao Globo Notícias. E a vida continua.
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