O influenciador Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo pelo PRTB, utiliza uma estratégia nas redes sociais que envolve uma comunidade ativa e engajada, na qual os membros participam de competições para criar e compartilhar conteúdos virais para divulgar o “coach”. Abriu um canal no Discord, o “Cortes do Marçal”, que funciona como um grande grupo para troca de mensagens e conteúdos variados. Com mais de 152 mil membros, esta comunidade tornou-se o ponto central de divulgação de vídeos e outros materiais relacionados à corrida eleitoral.
Nesta comunidade são organizadas competições pagas, nas quais cada participante é incentivado a criar e compartilhar recortes relacionados à participação de Marçal em entrevistas, lives, palestras e debates. Os vídeos que mais viralizam são pagos com valores estabelecidos conforme uma tabela, composta por prêmios diários que começam em R$ 50 e vão até R$ 200 para os três cortes que geram mais visualizações. Na disputa mensal, os valores variam de R$ 500 a até R$ 10 mil para as 30 primeiras contas com mais visualizações de vídeos sobre Marçal.
Assim que o usuário entra no grupo Discord do influenciador, ele recebe um aviso — “comece aqui”. Nele há um tutorial explicando passo a passo como funciona tudo para produzir vídeos sobre Marçal.
Em uma entrevista em podcast Ticaracaticacast — apresentado por Bola e Carioca, ex-integrantes do programa de comédia Pânico —, o influenciador explicou que ensina usuários do Discord a cortar vídeos para divulgá-lo. “Você pode ganhar R$ 10 mil por mês. Tem gente que já faturou R$ 400 mil com os meus cortes”, garantiu.
Marçal impacta pelo tom urgente dos cortes — observa Daniel Costa, head de marketing do Grupo Impacta Tecnologia. “Ele aplica gatilhos mentais para tornar o conteúdo viral, aumentando a conscientização do público e sua oratória eloquente. Cria um caos sobre diversos assuntos, fazendo com que o conteúdo seja amplamente assistido e comentado, gerando audiência para o seu nome”, analisa.
Daniel, porém, faz um alerta. “É importante ressaltar que quando não se tem um filtro na mesma velocidade com que o material é divulgado, corre-se o risco de não ter informações validadas e verificadas. Assim, pode resultar em fake news, pois o conteúdo é feito por pessoas sem identidade comprovada, e não por perfil oficial”, alerta.
Mandado de segurança
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) determinou a suspensão dos perfis de Marçal nas redes sociais até o final das eleições municipais, em outubro. Respondeu a uma Ação Judicial de Investigação Eleitoral (AIJE) movida pelo PSB, partido de Tabata Amaral, também candidato à Câmara Municipal de São Paulo.
A liminar foi concedida pelo desembargador Antonio Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo. A principal acusação contra Marçal é o abuso de poder económico e o uso indevido dos meios de comunicação social. O PSB argumenta que o influenciador pagou colaboradores para produzirem e publicarem nas redes recortes de seus vídeos, prática que supostamente impulsionou artificialmente sua imagem e beneficiou sua campanha eleitoral.
Para contornar a decisão, Marçal tem utilizado perfis reservas nas redes. Ele argumenta que sua estratégia é legítima e que está sendo alvo de perseguição política. A ação que suspendeu as principais contas do influenciador não afetou as do Discord, mas o impediu de realizar concursos que premiem financeiramente perfis que promovam sua campanha.
Apesar de não haver remuneração ou disputa, os vídeos continuam sendo publicados utilizando o método ensinado no grupo Discord. Na passada terça-feira, foram publicados em diversas redes sociais mais de 150 links de vídeos relacionados com a campanha de Marçal.
Gabriel Galhardo, administrador do grupo Discord e funcionário da empresa da qual o influenciador é sócio, PLX Digital, postou um vídeo em que o também administrador e coordenador do PLX Jefferson Zantut aparece amordaçado em um fundo preto — e afirma que a ação judicial É um ato de censura e não será aceito.
Zantut vai mais longe: diz que vão formar um “exército de generais que procuram prosperidade”, promovendo mentorias para instruir pessoas que queiram fazer cortes e participar em competições. Como Marçal está impedido de recompensar financeiramente quem produz vídeos sobre a campanha, os administradores das “Cortes do Marçal” promovem um concurso sobre cortes de Renato Cariani —também influenciador digital e réu por tráfico de drogas, que aparece ao lado de Marçal em vários vídeos no YouTube.
Segundo Zantut, quem pagar pela mentoria e não ganhar prêmio no primeiro concurso, “ganhará prêmio no próximo — dou minha palavra. Você faturará no mínimo R$ 5 mil a R$ 10 mil em cortes. Essa é a oportunidade para você que quer sair da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas)”, afirma. Também garante que quem não fizer “progresso” terá o seu dinheiro devolvido.
O Correspondência Procurou Galhardo e Zantut e perguntou sobre a relação de Marçal com Cariani nos grupos de edição de vídeos. Os gerentes da PLX deram praticamente a mesma resposta irônica.
“Irmão, como jornalista sério, que imagino que você seja, poderia me dizer qual a diferença entre dentes de leite e Palmeiras? Isso já foi discutido em algumas reuniões entre amigos e ninguém soube responder”, reagiu Galhardo.
“’Mano’, na sua opinião como jornalista sério, que imagino que você seja, quero muito a sua opinião sincera. Você acredita que o Palmeiras tem ou não Copa do Mundo? A sua opinião seria muito importante para mim, porque eventualmente, com alguns amigos, a gente entra nessa discussão”, retornou Zantut.
O Correspondência Ele também procurou os assessores de Marçal e Cariani, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
Táticas
Marçal replica o caminho aberto pelo americano Andrew Tate — conhecido por difundir mensagens misóginas, tornando-se uma espécie de inspirador do movimento da “pílula vermelha”, que menospreza a participação feminina na sociedade. O influenciador ganhou notoriedade ao criar um sistema em que os seguidores eram incentivados a compartilhar conteúdos preconceituosos em troca de recompensa financeira.
O candidato do PRTB adotou tática semelhante em sua campanha, incentivando os seguidores a criar e compartilhar trechos de vídeos que tiveram bom desempenho nas redes sociais. Esta abordagem visa aumentar a visibilidade e o engagement online, utilizando a mesma lógica de viralização que alavancou a figura de Tate.
Debate
Os candidatos Guilherme Boulos (PSol), Luiz Carlos Datena (PSDB) e Ricardo Nunes (MDB) confirmaram, ontem, que participarão do próximo debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, domingo, às 17h. TV Gazeta. Os três haviam anunciado que não participariam mais das partidas em que Marçal participava, após ele ter lançado uma série de insultos aos adversários.
A mudança de posicionamento ocorre depois que a influenciadora aparece na vanguarda da disputa para prefeito e depois que a também deputada Tabata Amaral (PSB) —que ocupa o quinto lugar nas pesquisas de opinião— assumiu a liderança nas críticas ao adversário. Ela foi atrás de Marçal, cobrando sua presença no debate de domingo e esclarecimentos sobre as investigações que apontam a ligação entre integrantes do PRTB e a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Os assessores dos candidatos confirmaram ao Correspondência presença no debate. “Recebemos, do Gazetaa informação importante de que adaptaram as regras para que sejam cumpridas. Não gostaríamos de ter palco para ataques e a Gazeta garantiu que vai introduzir uma regra que permita o respeito aos telespectadores, garantindo um ambiente igualitário para todos os candidatos”, disse Boulos, ao garantir a participação.
Entre as regras aceitas por todos os candidatos à reunião de domingo está a impossibilidade de transmissão do debate pelas redes de cada um. O evento também não terá público, o que evitará manifestações de apoio aos candidatos à Prefeitura. Junto ao forte crescimento das intenções de voto em Marçal, as pesquisas mostram o encolhimento de Nunes, que conta com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro, e de Datena. A mudança na decisão dos três indica uma estratégia para desgastar e isolar o influenciador no confronto presencial.
*Estagiário sob supervisão de Fabio Grecchi
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