O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se, ontem, no Palácio do Planalto, com representantes dos Três Poderes para discutir medidas de combate aos incêndios que vêm devastando grande parte do território brasileiro. Uma das principais propostas do encontro foi a possibilidade de tornar mais rigorosa a lei sobre crimes ambientais, tese que já foi defendida pela ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, e referendada pelo Judiciário. O Legislativo, no entanto, reluta em aceitar a proposta.
O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) se manifestou contra “soluções aparentemente milagrosas”. Segundo ele, é preciso evitar o recurso ao “populismo legislativo” na busca de soluções contra os incêndios.
“Quando há crises, é natural que haja voluntarismo, dentro do Legislativo, para a busca de soluções aparentemente milagrosas, como o aumento excessivo da combinação de penas, a inclusão desse tipo de crime como crime hediondo. Temos que conter e buscar um equilíbrio na formatação da lei, sob pena de cairmos no populismo legislativo que não resolverá o problema e acabará afetando a justiça criminal brasileira com medidas desproporcionais”, argumentou.
Pacheco, porém, não desconsiderou a revisão e o aperfeiçoamento da Lei 9.605/98, que trata dos crimes cometidos contra a fauna e a flora. “Acreditamos que o problema, neste momento, não é legislativo, nem de fragilidade de combinações de penas porque há tipos penais, há penas combinadas”, acrescentou.
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), endossou a posição de Pacheco. Ele afirmou que a legislação contra crimes ambientais é “a mais rígida, mais dura e mais forte que existe no mundo”. “Temos tentado votar matérias que fortaleçam esta questão ambiental, com muito destaque nos últimos anos”, frisou.
Na semana passada, dois projetos de lei tramitaram no Senado tratando do aumento das penas para quem comete crimes ambientais. Uma delas, de autoria do senador Jader Barbalho (MDB-PA), propõe classificar os incêndios em áreas rurais como crime hediondo. A outra, do senador Humberto Costa (PT-PE), prevê aumento nas penalidades para incêndios cometidos por grupos.
Desacordo
As posições de Pacheco e Lira foram refutadas pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin.
“Tem dois pontos que estão fora do alcance do Judiciário, são mais do Legislativo. Temos crimes ambientais, como queimadas, desmatamento, extração ilegal de madeira, garimpo ilegal. também é preciso criar uma cerca para a regularização fundiária das áreas que foram queimadas para garantir que não foram queimadas e depois conseguir a regularização”, propôs Barroso.
“Se os meios legais que temos fossem realmente eficazes, não estaríamos enfrentando a crise na escala que estamos. Sabemos que às vezes ela afeta mais o crime quando atinge o bolso, do que pagar uma fiança de R$ 30. Aproveitando que temos aqui os presidentes das duas Casas Legislativas, e ambos têm profundo conhecimento do assunto, é importante ressaltar que pela legislação atual, o governo federal está operando no limbo, porque os poderes do governo federal foram bastante reduzidos pela Lei Complementar 140″, enfatizou Benjamin.
Segundo o presidente do STJ, a norma de 2011 transferiu a responsabilidade pelo combate aos crimes ambientais à unidade da Federação e ao município. Pela lei, o governo federal seria responsável por conter crimes apenas em áreas da União.
O ministro Rui Costa, da Casa Civil, destacou que o aumento da pena para crimes ambientais está sendo cogitado pelo Executivo. “Estamos discutindo com a Advocacia-Geral da República (AGU) uma atualização da lei, porque, hoje, um incêndio normal dura de três a seis anos, mas um crime ambiental dura de dois a quatro anos”, comparou.
Lula admite despreparo
Lula admitiu que o país não estava preparado para enfrentar os incêndios que vive atualmente. “O fato concreto é que, hoje, no Brasil, não estávamos 100% preparados para cuidar dessas coisas [crise climática e incêndios ambientais]. Até 90% das cidades não estão preparadas para cuidar disso. São poucos os estados que têm preparação, que têm Defesa Civil, Bombeiros e brigadistas. Quase ninguém tem”, lamentou.
Devido a esse despreparo admitido pelo presidente, o governo anunciou R$ 514 milhões em crédito extraordinário para combate a incêndios —nas últimas 48 horas, foram mais de 4,1 mil casos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Lula deve assinar uma medida provisória (MP) para abrir crédito extraordinário para ministérios e autoridades locais continuarem os trabalhos de combate a incêndios, investigar ações criminosas e prestar assistência à população atingida. Os recursos serão investidos na aquisição de equipamentos especializados de combate a incêndio e também em novos veículos e aeronaves para contenção das chamas.
Militares
As Forças Armadas também continuarão apoiando atividades de combate a incêndios e secas na Amazônia legal. No encontro, Lula sugeriu que novos militares recebam treinamento para lidar com incêndios, já que “o Brasil não tem guerra”.
Além disso, o presidente irá editar uma medida que abre caminho para a reestruturação, no prazo de 60 dias, da Defesa Civil, a fim de fortalecê-la para enfrentar eventos climáticos extremos. Há também a previsão de uma MP para flexibilizar as regras de contratação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dando maior agilidade à aplicação dos recursos da instituição. A norma deverá ser encaminhada ao Congresso Nacional nos próximos dias.
O Ministério do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome vai adquirir 300 mil cestas e 7 mil toneladas de alimentos para doar às famílias mais afetadas pela seca e incêndios na Região Norte.
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