Não foi surpresa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha sido recebido na Marcha dos Prefeitos com um misto de vaias e aplausos. O evento acontece em ano eleitoral, em que governo e oposição lutam em busca de apoio político e votos. Os prefeitos em dificuldades financeiras e eleitorais gostam de terceirizar seus problemas e transferir responsabilidades. Se as dificuldades de Lula com o Congresso resultam do facto de o PT ter eleito apenas 70 deputados, em todo o país, o partido de Lula, nas eleições de 2020, elegeu 183 presidentes de câmara e 258 vice-prefeitos, num universo de 5.567 municípios.
Os cinco partidos que mais elegeram prefeitos foram MDB (772), PP (680), PSD (649), PSDB (512) e DEM, hoje União Brasil (459). Das 95 cidades com mais de 200 mil eleitores no país, o PSDB venceu as eleições em nove delas, seguido pelo MDB (6), DEM e PSD (5), PP (4) e PL (2). Cidadania, PDT, Podemos, PSB, PSC e Solidariedade elegeram um prefeito cada. Porém, com a eleição de Lula, em 2022, para seu terceiro mandato como Presidente, inicia-se um processo de migração de prefeitos de outros partidos para o PT. O partido hoje conta com 265 prefeituras.
As maiores taxas de migração ocorreram em cidades do Nordeste. No Ceará, das 18 eleitas em 2020, existem hoje 45 prefeituras. O Piauí, onde o PT elegeu 24 prefeitos, tem hoje 51. E a Bahia, que saltou de 32 para 49. Embora de forma mais modesta, também houve avanço no Sudeste. São três novas prefeituras em Minas Gerais, que hoje conta com 31, e outras duas no Rio de Janeiro, que agora conta com três cidades governadas por petistas.
Um processo de profundo declínio, iniciado em 2012, quando o PT elegeu 644 prefeitos, em meio à Lava-Jato, foi revertido. Com a turbulência política no país a partir de 2013, três anos depois, a representação caiu para 256 eleitos. Em 2020, reduziu ainda mais sua representação nas prefeituras, sendo eleitos apenas 183. Ou seja, mesmo presentes, os petistas são poucos em relação aos 3 mil prefeitos que participam do evento, que reúne cerca de 10,5 mil pessoas, entre vice-prefeitos, secretários municipais e vereadores, e só termina amanhã.
A Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios também contou com a participação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cujo prestígio está aumentando porque da queda de braço com Lula na questão da desoneração fiscal. As reuniões de prefeitos sempre foram momentos difíceis para os presidentes da República, ainda mais em ano eleitoral, quando o evento praticamente dá início geral à disputa.
Este ano, por conta dos vetos às isenções de folha de pagamento junto à Previdência em municípios de pequeno porte, Lula enfrentou um público ainda mais difícil, embora seja um craque em reuniões desse tipo. Ele sabe lidar com vaias e administrar ambientes adversos para sair vitorioso, graças à experiência dos turbulentos tempos sindicais. Ele não foi à reunião de mãos vazias. Além de trazer ministros diretamente envolvidos com assuntos municipais, anunciou a renegociação das dívidas previdenciárias da prefeitura e pediu que as eleições municipais deste ano não causem perda de civilidade entre os adversários.
Entidade federada
Anteriormente, a legislação exigia que as prefeituras cobrassem 20% do salário dos funcionários. No ano passado, os parlamentares aprovaram a redução para 8%, para cidades com até 156 mil habitantes, o que virou lei. Isso vale a pena. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, durante o evento, elevou ainda mais a fasquia: defendeu a redução da alíquota previdenciária sobre os salários dos funcionários para todas as prefeituras. Ele lembrou que os clubes de futebol e as igrejas têm tributação menor: “Por que nós, que prestamos serviços à sociedade, temos que pagar 22%?”
O pano de fundo do litígio são as dívidas das prefeituras por conta da pandemia. O presidente da Câmara, Arthur Lira, defendeu um “consenso” entre governo federal e gestores, em que as prefeituras ganhariam impulso para se recuperar e o governo federal faria “o ajuste fiscal indispensável”. Diante do risco de agravamento das divergências, Ziulkoski destacou que o evento reúne prefeitos de todos os espectros políticos e que o objetivo da marcha é promover as relações entre os entes federativos.
Desde a Constituição de 1988, os municípios são entes federados, que possuem autonomia e podem interagir diretamente entre si, formando consórcios, e estabelecendo vínculos diretos com o governo federal, sem a mediação de governadores, o que não acontecia antes, quando tudo acabou . pelos governos estaduais.
Em algumas áreas, desempenham papel fundamental, com recursos concedidos pelo governo federal, como Educação (ensino infantil e fundamental) e Saúde (o Samu atende 101 milhões de brasileiros, e o programa Saúde da Família, 90 milhões). Os municípios são proprietários dos sistemas de saneamento e iluminação pública. Como estamos vendo agora em São Paulo, a privatização da Sabesp, por exemplo, precisa da aprovação dos municípios para ser realizada em nível local pelo governo paulista.
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