A ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou ontem que o vício em apostas é uma “pandemia”. Para ela, o problema deve ser enfrentado com o mesmo rigor com que foi enfrentado o tabagismo.
“É uma pandemia. Isso precisa ser trabalhado na saúde. A consequência é grave do ponto de vista da dependência. A regulação é muito importante. É muito importante olhar para a publicidade. É colocá-la com a mesma seriedade que o que o Brasil fez em relação ao tabagismo é facilitado pela rapidez, pela rapidez com que a pessoa entra nesse ciclo”, disse o ministro, no evento de lançamento da Campanha Nacional de Incentivo à Doação de Órgãos.
O Ministério da Saúde, aliás, foi procurado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, que cobrou estudos e sugestões com vistas a reduzir o impacto das apostas. As pastas de Finanças, Desenvolvimento Social e Esporte fazem parte desse esforço conjunto.
Segundo pesquisa da Comscore, que analisa dados da internet, desde 2019 houve um crescimento de 281% no tempo gasto consumindo jogos no Brasil. As apostas tiveram um crescimento igualmente rápido: em 2022, o país ficou em 10º lugar globalmente, com US$ 1,5 bilhão em receita bruta de jogos, de acordo com dados da Entain — uma das maiores empresas de apostas esportivas online do Reino Unido.
Segundo o psicoterapeuta e professor de psicologia Alberto Dell’Isola, jogar pode representar um vício. “Existem elementos que podem tornar os casinos e as apostas online mais viciantes do que as lotarias”, alerta, acrescentando: “É muito mais fácil uma pessoa ficar viciada numa slot machine (na qual a pessoa pode apostar a cada minuto) do que na Mega- Sena, cuja aposta é semanal”.
Dell’Isola chama a atenção para um fator que facilita o vício em apostas: o anonimato. “Quem aposta R$ 1 mil online muitas vezes não teria coragem de fazer isso pessoalmente”, observa.
Para o presidente do Instituto Brasileiro do Jogo Legal (IJL), Magno José, estudos — inclusive o da Organização Mundial da Saúde (OMS) — registram que 97% dos apostadores não têm problemas com jogos de azar. “Já existem jogadores problemáticos no Brasil, principalmente pela operação de sites ilegais sem licença e pelo uso indiscriminado de mensagens inadequadas de influenciadores, sem qualquer proteção do Estado”, observa.
Entidades do setor, porém, chamam a atenção para o fato de que o esforço de regulamentação pode inviabilizar todo um segmento e punir quem não é viciado em jogos de azar. A Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) defende “um mercado honesto, regulado e responsável, que incentive os apostadores a encararem as apostas apenas como uma forma de entretenimento, e não como fonte de renda ou opção de investimento”.
Da mesma forma, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) — entidade que reúne as principais operadoras do setor de jogos e apostas do Brasil — chama a atenção para o fato de que todas as suas afiliadas “apresentaram formalmente seus pedidos de licenciamento, demonstrando total alinhamento com os requisitos legais e com o firme propósito de operar dentro de um ambiente devidamente regulamentado”.
A Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) alerta para o risco da proibição da publicidade das casas de apostas. “A experiência internacional mostra que os países que proibiram as propagandas das casas de apostas legalizadas acabaram incentivando o mercado ilegal. Quando a divulgação do jogo responsável e justo é proibida, todas as empresas são colocadas no mesmo grupo, como se o legal e o ilegal fossem uma só coisa” , destacou.
Projetos num piscar de olhos
Três projetos de lei (PL) relativos a apostas tramitam no Senado. Uma delas, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), pretende limitar — ou mesmo proibir — as apostas feitas por idosos, por pessoas inscritas em dívida ativa ou cujo nome tenha constado em cadastros de proteção ao crédito e, ainda, por aquele que faz parte do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). O PL 3.718/24, protocolado nesta quinta-feira, inclui essa limitação na Lei 14.790/23 — a Lei das Apostas.
Um dia antes, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) apresentou o PL 3.563/2024. Segundo o texto, a ideia é “proibir a publicidade, o patrocínio e a promoção de apostas esportivas e jogos online, bem como de apostas que envolvam resultados eleitorais”.
Se aprovado, nenhum tipo de publicidade poderá ser feita em qualquer meio de comunicação. Além disso, as apostas não podem patrocinar equipas desportivas ou eventos desportivos e culturais. O PL propõe ainda proibir a pré-instalação — por fabricantes, vendedores ou fornecedores — de aplicativos de apostas em dispositivos eletrônicos, como celulares. Alessandro Vieira apresentou o PL 3.719/24 que trata do mesmo assunto.
Na Câmara, o deputado Tião Medeiros (PP-PR) apresentou o PL 3.703/24, que proíbe beneficiários de programas sociais de utilizar recursos em apostas. O texto prevê que quem descumprir a regra perderá o direito aos benefícios. A restrição também se aplicaria a cônjuges e dependentes.
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