Foi mais uma tartaruga daquelas que aparecem de última hora: a cobrança de imposto de importação sobre produtos de até US$ 50 comprados online, o equivalente a R$ 257 pelo câmbio atual. Ele foi incluído no projeto que institui o Programa de Mobilidade e Inovação Verde (Mover), que deveria ser votado hoje na Câmara dos Deputados. No jargão parlamentar, tartaruga é uma proposta estranha aos propósitos originais do legislador, que surge sem que ninguém saiba exatamente quem está por trás dela, mas é sempre alguém ou algum lobby muito poderoso.
De olho na reação do consumidor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaçou vetar a tributação federal de remessas de até US$ 50 vindas do exterior. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para aprovar o projeto, havia convocado uma sessão para esta quinta-feira, o que só acontece quando os assuntos são muito importantes. Diante da reação, ele adiou a decisão. Na quarta-feira, o assunto já havia sido tema de debate entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
Atualmente, as compras no exterior abaixo de US$ 50 são tributadas apenas pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estadual, à alíquota de 17%. O imposto federal de importação de 60%, por sua vez, só se aplica a remessas do exterior acima de US$ 50. A isenção de impostos federais para encomendas de baixo valor tem sido criticada pelo empresariado brasileiro, que afirma haver penalidade para a produção nacional, cuja tributação é muito maior. A proposta já havia sido sugerida pelo governo federal, que recuou diante da forte reação dos consumidores nas redes sociais.
No folclore da política brasileira, o jabuti virou figura carimbada por causa de uma frase do senador Vitorino Freire, político partidário de origem pernambucana que fez carreira no Maranhão e, durante o regime militar, foi senador pela antiga Arena: “Se você encontra uma tartaruga em cima de uma árvore, antes de tirá-la, pergunte quem a colocou lá”, disse, referindo-se a estranhos que ocupam altos cargos no governo.
Como tartarugas não sobem em árvores, a expressão também passou a ser usada quando uma proposta estranha é incluída em um projeto de lei, que geralmente trata de outro assunto, sem que fique claro quem é o padrinho. Essa prática é responsável por muita insegurança jurídica, aumenta os custos da administração tributária para as empresas e gera milhares de ações judiciais, por não corresponder a uma boa técnica legislativa. É o resultado da astúcia política e do poder dos lobbies nos bastidores do Congresso.
Bugigangas
Lula ameaçou vetar, mas não fechou a porta à negociação: “A tendência é vetar, mas a tendência também pode ser negociar”, afirmou, em conversa com jornalistas no Palácio do Planalto. O presidente da República disse estar à disposição para discutir o tema com o presidente da Câmara, Arthur Lira. “Cada um tem a sua opinião sobre o assunto. Quem compra essas coisas? São mulheres, a maioria jovens, e têm um monte de bugigangas. Nem sei se essas bugigangas competem com as coisas brasileiras, não sei sequer sabe”, acrescentou.
Ao incluir a tributação no projeto do Programa Mover, o relator do texto, deputado Átila Lira (PP-PI), manifestou “preocupação” com a indústria nacional e o desequilíbrio na concorrência com os produtos fabricados no Brasil. A isenção também é questionada por entidades ligadas ao varejo. A lista de empresas que já aderiram à Remessa Segundo inclui as gigantes Amazon, Shein e Shopee.
O governo defende tratamento equilibrado na arrecadação de impostos. “Você tem pessoas que viajam, que têm isenção de US$ 500 no Free Shop, que têm isenção adicional de US$ 1 mil, e que não pagam (imposto), que são pessoas de classe média. meninas e jovens que querem comprar uma bugiganga, um negócio de cabelo”, argumentou Lula.
A tendência de compras online ganhou força durante a pandemia e se tornou parte integrante da vida dos brasileiros de vez. Segundo a pesquisa “E-commerce Trends 2024”, realizada pela Octadesk em parceria com a Opinion Box, 62% dos consumidores fazem de duas a cinco compras online por mês, enquanto 85% dos brasileiros fazem pelo menos uma compra por mês. mês na internet. Uma das propostas é limitar o número anual de compras realizadas por cada consumidor.
A receita do comércio eletrônico no Brasil em 2023 foi de R$ 185,7 bilhões, segundo dados da Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), com ticket médio de R$ 470 (aumento de 2% em relação ao ano anterior), 395 milhões de pedidos e 87,8 milhões de consumidores virtuais. Segundo a NuvemShop, os pequenos e médios e-commerces movimentaram cerca de R$ 703 milhões no primeiro trimestre de 2023, um crescimento de 23% em relação ao mesmo período de 2022. Para 58% dos consumidores, as compras online ajudam a alcançar menores preços comparados às lojas físicas; 57% citam a praticidade de fazer compras sem sair de casa; e 56% aproveitam promoções.
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