A segurança pública é um dos temas que pode decidir uma eleição e recebe a atenção tanto dos governadores quanto do Executivo federal. Pela sua relevância, o tema é alvo de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que será encaminhada pelo governo ao Congresso. Em reunião com chefes do Executivo estadual, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou as medidas e pediu sugestões. O problema é cada vez mais complexo e os dados sobre violência do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que as regiões Norte e Nordeste representam os maiores desafios.
Na Região Nordeste, segundo o levantamento, são registrados 36,5 óbitos para cada 100 mil habitantes. No Norte do país, são 34 para cada 100 mil pessoas. Do outro lado está o Sudeste, com 14 mortes violentas por 100 mil habitantes, seguido pelo Sul (16,4) e pelo Centro-Oeste (22,6).
A PEC da Segurança, na prática, dá mais poderes ao governo federal para atuar na área, convertendo, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal em Polícia Federal Ostensiva, ou seja, a corporação pode atuar em crimes ferroviários, hidroviários, transnacionais e interestaduais. , além de ter a possibilidade de reforçar o contingente nas unidades federativas quando solicitado.
Além disso, o texto da proposta coloca na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública, que “confere à União competência exclusiva para legislar sobre normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário; estabelecer a competência comum da União, o aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios proporcionar os meios de manutenção da segurança pública; conferir à União, aos estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre segurança pública e defesa social federal, em substituição à Polícia Rodoviária Federal, ampliando suas atribuições; “.
Capitais
Em agosto deste ano, pesquisa da Genial/Quaest mostrou que em sete das 10 capitais mais populosas do país, a segurança pública é o tema que mais preocupa os eleitores. Ao responder sobre o problema mais grave que a cidade enfrenta hoje, 60% dos entrevistados no Rio de Janeiro responderam que era a segurança. Em Salvador foi de 51%, e em Fortaleza, 45%, seguido por Recife (36%), Curitiba (34%), São Paulo (32%), Manaus (30%), Belo Horizonte (16%), Goiânia ( 7%) e Belém (6%).
A PEC do governo federal, elaborada por Lula e pelos ministros, especialmente o ministro Ricardo Lewandowski, antecipou o clima eleitoral para 2026. Ao apresentar a proposta, na quinta-feira, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e Lula entraram em confronto. Caiado afirmou que quer mais autonomia para os estados, disse que acabou com a criminalidade na região que governa e enfatizou que se recusa a ordenar que policiais estaduais usem câmeras corporais. Em 2023, Goiás registrou 22,8 mortes violentas para cada 100 mil habitantes, um pouco abaixo da média nacional, que é de 26%.
Lula ironizou as declarações, dizendo que Caiado, então, é quem deveria ter convocado uma reunião para ensinar aos demais governadores como acabar com a violência, já que afirma ter resolvido o problema.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), participou do debate no Palácio do Planalto seis dias após a troca de tiros entre criminosos do Complexo de Israel e a Polícia Militar na Avenida Brasil, que deixou três mortos. Segundo Castro, a ação dos bandidos em atirar em civis na principal avenida do Rio de Janeiro foi um ato de “terrorismo”.
Em 2023, o estado do Rio de Janeiro registrou 4.270 Mortes Violentas Intencionais (MVI) e 3.399 Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), segundo dados coletados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do estado.
Eficácia
Especialistas ouvidos pelo Correio apontam que a proposta do governo federal é uma forma de abordar a questão da violência, mas que está longe de ser a solução para o problema. A professora de criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Vera Malaguti explicou que as milícias são resultado do que ela chama de “estado policial”, gerado por meio de uma política de enfrentamento “com forças cada vez mais policiais, mais armadas”. , mais brutal e com mais autonomia”.
Vera descreveu a milícia carioca como tendo uma “ligação direta, intrínseca e profunda com as forças policiais”. “As milícias têm uma porosidade muito grande com o Estado. Não acho que seja falta de Estado, acho que é um excesso de Estado”, acrescentou. Quanto à PEC, ela é classificada como “mais do mesmo”.
Marlos Valle, diretor de Assuntos Sindicais do Sindicato da Polícia Civil do Distrito Federal (Sinpol-DF), destacou que as duas regiões mais violentas do país são dominadas por facções e apontou investigações aprofundadas como forma de combater essas grupos.
“A crescente violência nas regiões Norte e Nordeste reflete em grande parte a presença e o fortalecimento de organizações criminosas nessas áreas. Para enfrentar essa realidade, é fundamental fortalecer as polícias civis estaduais e do Distrito Federal, responsáveis pela investigação e inteligência, elementos essenciais para combater eficazmente a criminalidade”, enfatizou.
Para Valle, o uso de câmeras corporais pode ser positivo, aliado a outras medidas, como o investimento em técnicas investigativas. Destacou que o crime organizado está se especializando, enquanto o Estado permanece estagnado, dependendo apenas do uso da força.
“Infelizmente, enquanto as facções investem em inteligência, o Estado tem focado quase exclusivamente no uso da força policial. Para combater o crime organizado é preciso investir na inteligência da Polícia Judiciária, incluindo a Polícia Civil e a Polícia Federal. isto, é impossível identificar líderes, mapear redes de tráfico e rastrear o fluxo financeiro do crime”, explicou. “Só alcançando o braço financeiro das facções será possível reduzir a violência e, em última instância, trazer mais segurança à população”.
O secretário-geral das Comissões de Direito Militar e de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB-MG), Berlinque Cantelmo, disse que a responsabilidade pela investigação de crimes envolvendo facções criminosas, milícias e crimes ambientais cabe à Polícia Judiciária, tanto federais e civis.
“Com esta estratégia, o governo tentará criar um ambiente que relativize a ideia de monopólio, demonstrando que hoje, do ponto de vista estrutural, as forças de segurança do Estado já contam com amplo apoio da PF através da formação de forças integradas , como as FICCOs (Força Integrada de Combate ao Crime Organizado)”, afirmou. Destacou ainda que a União já deu “o primeiro passo”.
*Estagiário sob supervisão de Cida Barbosa
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