O governo federal definirá os detalhes do pacote de corte de gastos nos próximos dias. Apesar da pressão da equipe econômica e do mercado, os ministros resistem às reduções nas respectivas pastas e dizem que a mudança no orçamento pode impedir as entregas já prometidas pela gestão. A divergência é um dos fatores para o adiamento da proposta, que deverá ser apresentada na próxima semana. No entanto, factores como a complexidade das discussões e as preocupações com as repercussões políticas também contribuem para o atraso. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passa este fim de semana no Palácio do Alvorada estudando as opções e ouvindo seus auxiliares. Desde segunda-feira, o Planalto realizou quatro reuniões para formular o corte de gastos: três com a presença de Lula, e uma liderada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa.
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, é um dos que mais demonstrou insatisfação. Ele descartou mudanças em benefícios trabalhistas, como seguro-desemprego, abono salarial e multa de 40% do FGTS em caso de demissão por justa causa, e ameaçou deixar o cargo caso essas decisões fossem tomadas sem ser consultado. O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, enviou mensagem aos jornalistas durante a semana negando a possibilidade de cortes no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e no Bolsa Família. O leque de opções apresentado pela equipa económica inclui dissociar os benefícios do salário mínimo e limitar o aumento do seu orçamento ao quadro fiscal, o que cria um limite máximo de 2,5% do crescimento do PIB para despesas.
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“Nós do MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome) não vamos cortar nenhum benefício de quem tem direito ao Bolsa Família e ao BPC. Pelo contrário: a ordem do presidente Lula é garantir o direito a quem quem tem direito, quem está fora e em insegurança alimentar e tira o Brasil do mapa da fome, e estamos fazendo isso. Desde janeiro de 2023, alcançamos cerca de cinco milhões de famílias que estavam passando fome, cerca de 18 milhões de pessoas, e outras já passaram. se levantaram sair da pobreza através do emprego e da renda”, afirmou o ministro. Dias só participou na reunião com Rui Costa, tal como o ministro da Segurança Social, Carlos Lupi, que também ameaçou demitir-se caso haja cortes na Segurança Social.
Apesar de Lula defender publicamente que os gastos com Saúde e Educação são investimentos, ambas as áreas estão na mira do pacote. As opções incluem a redução do piso constitucional de gastos e cortes no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). No entanto, os titulares também resistem. O ministro da Educação, Camilo Santana, disse ser “definitivamente contra qualquer mudança nas medidas constitucionais da educação” e que Lula concordou com ele. A fala aconteceu durante o encerramento do Encontro Global de Educação, realizado na penúltima semana em Fortaleza (CE), onde o ministro anunciou um pacote de ações para a valorização dos professores. Segundo ele, as medidas devem ser anunciadas ainda este mês e incluir um “pé-de-meia” para a graduação, que beneficiará universitários com R$ 500 por mês. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, por sua vez, ainda não fez declarações públicas sobre o enxugamento. No entanto, também resiste a medidas.
Dependendo dos ministros ouvidos até o momento, os cortes poderão afetar: Saúde; Educação; Trabalho e Emprego; Desenvolvimento Social; e Segurança Social. Apesar da resistência, existem algumas medidas que são tidas como certas e têm menos impacto tanto no orçamento como nas políticas sociais. Por exemplo, um pente fino nos beneficiários do Bolsa Família e pensionistas do INSS, para acabar com as fraudes, poderia reduzir a conta em alguns bilhões. A discussão envolve também a criação de gatilhos nas despesas governamentais obrigatórias para conter o seu crescimento nos próximos anos. Esse tipo de medida não encontra resistência do governo e deve ser incluída no pacote final. Os detalhes do reajuste têm sido guardados a sete chaves pelo governo, para evitar os possíveis impactos de um vazamento. No final das contas, porém, a decisão sobre o corte cabe exclusivamente ao presidente Lula – ou seja, restrições mais incisivas poderão ser impostas caso ele considere necessário.
Ruim com, pior sem
É um momento delicado para o governo. Sem ajuste das contas, existe um grande risco de o quadro fiscal ter de ser abandonado nos próximos anos. Para mantê-lo, sem alterar as despesas obrigatórias, seria necessário cortar despesas discricionárias, paralisando o setor público. Isto também teria impacto no pagamento da dívida pública e, consequentemente, na confiança dos investidores no governo. Portanto, há forte pressão do mercado financeiro: a demora na discussão do corte de gastos fez com que o dólar atingisse R$ 5,86 no dia 1º de novembro, maior valor desde a pandemia de 2020. A alta também foi causada pela incerteza com as eleições norte-americanas, antes da vitória de Donald Trump.
Durante a última semana, a pressão diminuiu com a mobilização do governo para definir o pacote. A moeda norte-americana passou a semana em queda, mas recuperou parte do valor na sexta-feira, com a frustração causada pelo adiamento do anúncio – o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu uma definição até quinta-feira, o que não aconteceu. O dólar fechou a semana cotado a R$ 5,73, queda de 2,26% em relação à semana anterior, mas alta de 1% em relação a quinta-feira.
Por outro lado, o reajuste é uma medida bastante impopular e será anunciada num momento de enfraquecimento da esquerda, principal aliada do presidente Lula, após as eleições municipais. Um corte orçamental severo poderia prejudicar a relação do governo com os sectores laborais, como o sindicato, e até mesmo a popularidade do governo. A avaliação dos dirigentes, porém, é que não há como evitar o impacto político dos cortes de gastos, apenas tentar mitigá-lo. O governo estuda, portanto, incluir a redução de subsídios e isenções fiscais no pacote, para que os cortes não ocorram apenas nas políticas dirigidas à população.
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