As bombas que Francisco Wanderley Luiz explodiu, no dia 13, em frente ao Supremo Tribunal Federaldeixou clara a necessidade de os diversos setores da sociedade brasileira — do governo às Forças Armadas, incluindo a academia e a imprensa — enfrentarem a ameaça representada pela ação política violenta. O alerta é de Odilon Caldeira Neto, professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador do Observatório de Extrema Direita. Ele observa que o ataque tem origem em algo muito maior e que o bolsonarismo de Francisco é apenas uma parte de um processo mais complexo. “É preciso entender que esse fenômeno (do radicalismo violento) vai além do bolsonarismo e forma uma rede marcada pela desinformação e pela radicalização cotidiana”, alerta. Segundo Odilon, o senhor também observa que a pacificação do país proposta por pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro não será alcançada por meio da anistia aos golpistas de 8 de janeiro de 2023. “São grupos e indivíduos que, por crença e orientação política, negam a democracia por excelência”, sublinha. Leia a entrevista abaixo.
Que tipo de alerta episódios como o ataque ao Supremo Tribunal Federal sinalizam para o Brasil?
Destaca a urgência de lidar com o extremismo violento politicamente mobilizado. É um alerta que soou há muito tempo. E isso diz respeito ao universo mais amplo da extrema direita brasileira, que não pode ser reduzido ao bolsonarismo, mas no qual é uma dessas tendências e a mais articulada. Ao olharmos para o acontecimento, devemos incluí-lo nesta história recente, tanto do ponto de vista da complexidade da extrema direita, quanto de uma crise política que se aprofundou no Brasil desde a última década. A radicalização da extrema direita brasileira e a adoção de métodos cada vez mais violentos demonstram que a pacificação não é um caminho construído através da anistia, mas sim através da investigação e do desmantelamento desses grupos radicais. Porque são grupos e indivíduos que, por crença e orientação política, negam a democracia por excelência.
Este ataque poderia encorajar atos violentos semelhantes?
Muito vai depender do andamento das investigações e também de como será tratado, inclusive pela mídia. Muitas vezes, a abordagem do tema, quando investe nas questões da vida da pessoa, pode gerar um efeito inverso, que é focar o acontecimento apenas no indivíduo. Não podemos tratar como história individual e singular um fenômeno coletivo e plural. O problema do extremismo no Brasil é multifacetado, envolvendo diferentes gerações, diferentes segmentos do extremismo de direita. Portanto, é necessária uma dose de cautela para entender esta situação como resultado de um sistema mais complexo. É preciso compreender que esse fenômeno vai além do bolsonarismo e forma uma rede marcada pela desinformação e pela radicalização cotidiana. Pelo grau de complexidade, estabelece a necessidade de um esforço que envolva diversos setores da sociedade brasileira – não apenas a opinião pública e a mídia, na forma como abordam ou lidam com esse fenômeno, mas também setores institucionais. Parece-me claro que é necessário um esforço interministerial, mas também é necessário um esforço que possa enfrentar o problema de forma qualificada, envolvendo a discussão acadêmica. Isso (o ataque) é resultado de anos de radicalização, de anos de intensificação e normalização do discurso e dos valores políticos da extrema direita no cotidiano brasileiro. Não apenas no setor institucional e na política formal, mas na sociedade como um todo. As pessoas estão a tornar-se extremistas de formas que vão além dos espaços dos próprios grupos de extrema-direita.
Quais são as origens e influências dos grupos de extrema direita no Brasil?
Para discutir o cenário do extremismo de direita no Brasil é necessário fazer um panorama histórico das últimas duas décadas, quando ele se tornou mais complexo. O cenário torna-se mais diversificado, tanto do ponto de vista do contexto político — que fortalece a presença da extrema direita brasileira nas ruas — quanto do ponto de vista das estruturas de comunicação. A internet tornou-os mais plurais, do ponto de vista das novas referências que são incorporadas. Nos primeiros anos do século XXI, o extremismo de direita organizava-se em pequenos grupos, com líderes que orientavam as formas de organização e a estratégia destes grupos. Com a internet, a disseminação desses ideais e a entrada de novas ideias transformam o extremismo. Muitos indivíduos começam a ser politicamente formados e radicalizados não mais pela mediação de grupos ou dos líderes desses grupos, mas, sobretudo, através dos vetores de radicalização, que são o culto à autoridade, o ultranacionalismo, o desprezo e o ódio às minorias, a rejeição ao sistema político, o ataque à política institucional. Esses grupos terão origens diversas: alguns localizados na realidade sociopolítica e cultural brasileira, outros ligados ao extremismo de direita global. A isto somam-se questões associadas ao universo clássico do neonazismo, mas também um diálogo com grupos e tendências da Europa ou dos Estados Unidos.
Como está organizada hoje a extrema direita brasileira?
Há grupos organizados, que chegam a algumas dezenas e que têm uma estratégia mais sólida, em que se contemplam tendências —dos bolsonaristas mais extremistas aos neonazistas, separatistas e neointegralistas. Mas há outra esfera de formação no extremismo de direita que é difícil de mapear e quantificar, porque esses indivíduos são formados por comunidades digitais, que podem ser não apenas um grupo em si, mas um discurso disseminado numa grande diversidade de ambientes — grupos de WhatsApp, Telegram, comunidades do Facebook, redes sociais diversas. Em grande medida, por serem tendências diversas, os objetivos destes grupos são diferentes. Os neonazistas, por exemplo, estabelecem como ponto central a questão racial — marcada pelo antissemitismo, pela islamofobia e pelo ódio às minorias. Os grupos que se orientam pela oposição ao sistema político e às instituições democráticas — que partilham teorias da conspiração — não têm como objectivo central o assassinato de minorias, mas sim a desestabilização da ordem democrática. Esse fenômeno plural vai além da organização em grupos, pois temos a radicalização dos indivíduos em torno de comunidades em espaços virtuais, mas que atingem a vida material.
Que perfil da extrema direita brasileira pode estar relacionado aos atos violentos?
(O ataque ao STF) é um tipo de extremismo violento que está associado a um fenômeno mais amplo na sociedade brasileira. Assim como a extrema direita não pode ser reduzida ao bolsonarismo, os atos de extremismo violento e de orientação política não se restringem ao próprio bolsonarismo, por mais influenciados por este campo. Podemos colocar na equação os fenómenos associados aos ataques às escolas, à existência de grupos neonazis, neofascistas e outras tendências adeptas da ideia de intervenção militar.
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