Porto Alegre (RS) — Responsável pela coordenação do auxílio federal ao Rio Grande do Sul, o ministro-chefe da Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, diz que o sistema de combate às enchentes em Porto Alegre acabou falhando e se tornando parte do problema. Para Pimenta, a União poderia se responsabilizar por essas políticas e estruturas de prevenção, como aconteceu no passado, mas ele lembra que, há mais de 30 anos, no governo Fernando Collor (1990-1992), essas estruturas foram municipalizadas.
Gaúcho de Santa Maria, o petista diz que está com o coração dolorido e úmido, mas é fortemente cotado como candidato do partido ao governo do estado em dois anos. Sobre o assunto, ele diz que o momento não é para esse debate e refutou artigos de imprensa que sugerem qualquer ruído entre ele e o governador Eduardo Leite (PSDB). O ministro diz que a forma como a política é feita no estado, na situação atual, não deixa espaço para divisões nas forças políticas locais.
Confiante na reconstrução do estado, Pimenta aposta que o pacote de ajuda federal dará as respostas que a população gaúcha espera e garante que após cumprir a “missão” confiada pelo presidente Lula, retornará à Secretaria de Comunicação do Rio Grande do Sul. o governo petista. O ministro recebeu o relatório do Correspondênciaontem, no hotel, em Porto Alegre, onde mora há mais de 20 dias, desde que chegou para coordenar as medidas do governo federal para atender o Rio Grande do Sul.
Abaixo estão trechos da entrevista:
Qual é a avaliação federal das enchentes no RS?
A inundação não é linear, ela se moveu. Começou na região de Santa Maria, que se tornou o epicentro da tragédia, depois seguiu para o Vale do Taquari, até chegar à Região Metropolitana e agora segue em direção ao Sul do estado. Então estamos a viver diferentes fases, na região centro já estamos na fase de reconstrução. Mas aqui em Porto Alegre ocorreu um fenômeno diferente de qualquer outra enchente, com a água ultrapassando os diques de proteção. Como esses diques não conseguiram impedir a entrada da água, agora temos a situação inversa, a água não sai se não for expulsa. Se esperarmos que evapore, pode levar meses. Existem situações diferentes em regiões diferentes, todas precisam da presença do Estado além de voluntários. Ainda há muito trabalho pela frente.
Dezoito bombas para expelir a água vieram da Sabesp em SP, por que não existe o equipamento no RS ou no Sindicato?
Existem mais de 50 bombas funcionando no momento. O governo federal autorizou as prefeituras a incluir bombas em seus planos de trabalho. Todas as cidades alagadas possuem bombas contratadas e, além destas, há bombas da Sabesp e da Petrobras, que já estão funcionando. Mas ainda estamos trazendo mais equipamentos do Ceará. Precisamos lembrar que as Forças Armadas foram fundamentais para trazer, com caminhões e aeronaves, esses sistemas de bombas.
O sistema não funcionou?
Este sistema de bombeamento remonta às décadas de 1970 e 1960 e não foi projetado para enfrentar situações como rompimento de barragem ou transbordamento de água. O dilema pós-chuva é como pensar na revitalização desse sistema de proteção da região metropolitana que, necessariamente, haverá a necessidade de elevar os diques existentes, todos feitos para responder à enchente de 1941, além de uma completa é necessária a modernização do sistema da casa de bombas que, em tese, seria o mecanismo de segurança que acabou falhando e se tornando parte do problema.
No centro de Porto Alegre não transbordou o muro, mesmo assim, antes de seis metros a cidade inundou, por quê?
Isso é algo que precisa ser investigado, mas não é papel do nosso ministério trabalhar nessa investigação, mas é claro que a Câmara Municipal, o Ministério Público, os fóruns de controle e fiscalização precisam fazer estudos adequados para entender tudo o que ocorrido.
O prefeito Sebastião Melo (Porto Alegre) disse ao Correio que a contenção das enchentes deveria ser uma responsabilidade federal. Você concorda?
Na verdade, esse sistema de proteção da região metropolitana é de responsabilidade federal. O DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento) foi responsável por esta gestão. Quando o departamento foi extinto pelo governo Collor, o sistema de proteção caiu na escuridão e não amanheceu. Cada prefeitura ficou com um pedaço desses diques, cada prefeitura ficou com uma parte dessas bombas e cada uma cuidou delas ao longo dos últimos 50 anos de uma forma diferente, sem gestão integrada, sem obras de revitalização, sem um conjunto de cuidados.
Por que o presidente Lula não recriou esse departamento nas suas duas primeiras gestões?
Porque, quando foi extinto, esse sistema foi concedido às prefeituras. Desde 1993, administra cada cidade, bem como muitos serviços que foram privatizados. Na prática, em algumas cidades não houve nem transição, não encontrei documentos.
A população tem criticado os alertas de emergência, como mudar isso?
Estamos implementando um sistema de alerta nacional, um sistema moderno, o “cell broadcast”, que hoje apenas cinco países no mundo possuem. Está sendo desenvolvido em conjunto com a Anatel e operadoras de telefonia. Foi exactamente depois do que aconteceu no ano passado que tomámos a iniciativa de desenvolvê-lo, está praticamente pronto a entrar em funcionamento. Será um sistema de alerta de desastres em todo o Brasil, algo que também poderia ter sido feito antes, mas o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), criado pela presidente Dilma, foi desmantelado. Chegamos e só havia um meteorologista no Cemaden. Precisamos voltar a fazer competições, contratar profissionais novamente.
Quanto tempo leva para operar?
É preciso haver uma fase de testes e treinamento. No Brasil, temos um sistema de defesa civil que envolve o estado e os municípios. É preciso haver treinamento para quem ativa o sistema. É preciso haver um padrão, qual é o nível de alerta? Precisamos ter a defesa civil do município capacitada em determinada cidade. Receberá informações da defesa civil estadual e nacional, mas quando o alerta for acionado, qual o procedimento? A nossa sociedade não tem uma cultura de prevenção, ao contrário de outros países, onde a prevenção é algo que faz parte do currículo escolar.
Estaremos caminhando da maior enchente da história para outra seca?
Nossa capacidade de influenciar o que acontecerá é muito limitada. A realidade comprovou tudo o que se discute a respeito da questão das mudanças climáticas e o que elas provocam na alteração dos regimes pluviométricos, o discurso negacionista caiu. No ano passado tivemos uma seca severa no primeiro semestre, mas espero que este ano tenhamos, nesta medida, pelas informações que tenho, a pior situação já passou, tanto no excesso de chuva, como agora no Sul, com a seca que tivemos no ano passado na região amazônica. O que precisamos fazer é criar um sistema público de proteção e mitigação.
Sua escolha para o ministério foi muito criticada, por quê?
Meu relacionamento com o governador é excelente, meu relacionamento com os secretários de estado é excelente, com os prefeitos das principais cidades do estado, com os deputados estaduais, é excelente, não tenho problemas em trabalhar com ninguém. Talvez quem não conhece o Rio Grande do Sul não entenda a forma como trabalhamos. Acreditam que, por sermos de partidos diferentes, não temos capacidade para trabalhar de forma fraterna, solidária e leal, como fazemos. Refuto completamente estes relatos da imprensa do centro do país. São artigos para quem não conhece o RS. Não tivemos problemas desde o início desta crise. Falo com o governador todos os dias, e às vezes mais de uma vez por dia. Trabalhamos em parceria, por exemplo na questão das bombas, as cidades precisavam de bombas, o governador ligou para outros estados e cuidamos da logística com as Forças Armadas.
Mas você é um possível candidato ao governo do estado em 2026?
Ele não tem vontade ou interesse em discutir isso agora. Acho completamente mesquinho as pessoas pensarem que o que está sendo feito agora visa uma candidatura em 2026. É mais uma visão obtusa de quem não entende como funcionam as coisas no Rio Grande. Que fazer política para 2026 numa tragédia como essa é alguém que não entende como funciona a nossa cultura, a nossa forma de fazer política e a relação respeitosa que temos com a população, principalmente em momentos de crise como este.
Quais são os principais pedidos do presidente para você e como fica o estado depois que o país perde o interesse no estado?
Não acredito que o apoio nacional vá diminuir, pelo menos por parte do governo federal. O presidente Lula foi muito claro e concreto, baseado nos recursos já liberados e na determinação do presidente Lula em reconstruir tudo o que foi perdido na área da saúde, no Ministério da Saúde, na educação, no MEC, na habitação, no Ministério das cidades, integração nacional, boa parte da nossa infraestrutura, recuperação das rodovias federais, nosso sistema aeroportuário, não há área que não tenha uma política pública governamental muito forte. Meu trabalho aqui, em primeiro lugar, é encurtar a distância entre o Rio Grande do Sul e o Brasil. Num segundo momento tentarei desburocratizar para que tudo aconteça rapidamente, o que precisamos fazer para que os recursos de saúde cheguem logo, para que as obras de infraestrutura comecem logo. Isso está acontecendo e funcionando bem.
Como a tragédia poderia impactar a economia brasileira, especialmente a inflação?
Um fenómeno desta natureza tem impacto em todas as áreas da actividade económica do estado, toda a logística ficou comprometida, isso terá um efeito gravíssimo na economia. Mas não acredito que isso tenha impacto na inflação, porque ao mesmo tempo que vivemos esta tragédia, há necessidade de um investimento intenso para recuperar a capacidade do Estado e de um investimento para que as pessoas tenham capacidade de consumo para poder recomeçar. Como o governo federal está oferecendo crédito com carência, sem juros, a gente vai conseguir resolver.
Você trocou a Secom pela Reconstrução, não é uma escolha difícil?
O presidente Lula me disse para cumprir uma missão e eu a cumprirei. Gosto do meu trabalho na Secom, do que fazia no governo, e pretendo, assim que terminar meu trabalho aqui, voltar à minha atividade. Mas para mim é sempre bom poder estar aqui no Rio Grande do Sul, mesmo num momento como este, cuidando das coisas que conheço, perto das pessoas que conheço e poder ser útil ao estado em alguns enfim, isso é muito importante. Mas o coração está dolorido e molhado.
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