O ex-presidente Jair Bolsonaro se tornou o primeiro chefe do Executivo federal eleito democraticamente a ser indiciado pela Polícia Federal por planejar um golpe de Estado. No relatório sobre os atos extremistas de 8 de janeiro de 2023, entregue nesta quinta-feira ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a corporação indicia outras 36 pessoas. Entre eles estão os generais Braga Netto, ex-ministro da Defesa, e Augusto Heleno, que comandou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) —o pedido relativo a oficiais de tão alta patente também é inédito.
Na lista estão os cinco presos esta semana, acusados de tramar o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do próprio Moraes.
Os 37 indiciados pela PF são suspeitos dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de estado e organização criminosa. Nas investigações, o inquérito concluiu que houve organização criminosa coordenada para manter a gestão anterior após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022.
Apesar das acusações, especialistas consultados pelo Correspondência destacou que este é apenas o começo de um processo, que será liderado pelo STF e que aguardará resposta do Ministério Público. Portanto, uma acusação não é uma condenação nem significa que os suspeitos serão presos em primeiro lugar.
Nas mãos de Gonet
As cartas estão agora com o Ministério Público. Após receber o relatório, a ser encaminhado por Moraes, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, tem três caminhos a seguir, conforme destacou o advogado criminalista Gustavo Scandelari, coordenador do Núcleo Criminal do Dotti Advogados: concluir que há provas suficientes e apresentar a denúncia para instaurar processo penal contra os indiciados, solicitar novas diligências por entenderem ser necessário aprofundar as investigações ou arquivá-las.
Caso Gonet decida registrar denúncia, o caso irá para o Supremo Tribunal Federal. No Tribunal será verificado se a reclamação atende aos requisitos legais. Se o tribunal entender positivamente, a denúncia é recebida oficialmente e os investigados tornam-se réus. A partir daí, o Judiciário coleta provas e ouve acusados e testemunhas. Esta é a fase de instrução processual. Depois dessa etapa, vêm as manifestações finais —quando a defesa cumpre o seu papel, e a acusação também. Por fim, vem o julgamento, que, se de fato acontecer, será apenas em 2025.
A ameaça de golpe de Estado acarreta pena de 4 a 12 anos de prisão; a abolição violenta do Estado Democrático de Direito, 4 a 8 anos de prisão; e participação em organização criminosa, 3 a 8 anos de prisão.
O relatório final do inquérito, com cerca de 800 páginas, foi tema de reunião fechada de ministros do Supremo nesta quinta-feira. O assunto tomou conta de praticamente todos os cargos. O silêncio prevaleceu.
Procedimentos
À medida que o caso avança, há uma série de procedimentos criminais técnicos que devem ser seguidos. O facto de existirem acusações não significa necessariamente que se seguirão prisões preventivas, por exemplo.
“É preciso verificar se os requisitos legais estão preenchidos. A prisão preventiva não pode ser decretada de ofício, porque não existe tal previsão legal”, disse ao Correio a advogada criminal Ana Paula Correia, professora de processo penal. “Muito menos é possível condenar. Os indiciamentos, tecnicamente, representam que há indícios de materialidade e autoridade para as investigações”.
Segundo o advogado Leonardo Pinheiro, professor de direito administrativo e constitucional, “o ministro Alexandre de Moraes, como relator, tem autonomia para uma série de decisões, sem necessidade de consulta ao colegiado, mas há procedimentos definidos pelo Código de Processo Penal”, ele afirmou.
Além da investigação sobre o golpe de Estado, Bolsonaro já foi indiciado em outras duas investigações da Polícia Federal: o caso das joias sauditas e a fraude do cartão de vacinação. Segundo os criminalistas, apesar de serem factos distintos, os três indiciamentos podem ser reunidos num só, sem prejuízo das investigações e do processo criminal. Contudo, ressaltam que, tecnicamente, são ações distintas e devem ser conduzidas separadamente.
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