A ditadura militar completou 60 anos e, em decorrência das atrocidades e violações que cometeu, já se passaram cinco décadas desde que mães, irmãs, esposas e filhas de vítimas da brutalidade do regime batem à porta do Estado e exigem a o paradeiro dos seus filhos, irmãos, maridos e pais, todos mortos pelo regime excepcional e que ainda hoje estão desaparecidos. Eles buscam respostas que ainda não apareceram.
Na incansável e obstinada luta por notícias sobre a localização desses corpos, e também sobre as circunstâncias em que ocorreram esses crimes, esses familiares passaram a semana em Brasília, numa extensa agenda que envolveu uma marcha silenciosa até o Palácio do Planalto, um encontro com representantes governamentais, audiência com juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que cobrou ações do Estado, e reuniões no Congresso Nacional e com entidades da sociedade civil. Ó Correspondência acompanhou as atividades do grupo.
Mulheres que, ainda hoje, mesmo num governo que apoiaram, precisam exibir faixas exigindo ação e cumprimento de medidas judiciais de vinte anos atrás, que determinam a busca dessas ativistas políticas. Mulheres que dedicaram suas vidas, quase exclusivamente, a esse propósito, de poder enterrar com dignidade um familiar que morreu na juventude e que lutou pela volta da democracia ao país.
A Diva Santana é uma das precursoras dessa luta. Na Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência à luta armada exterminado pelos militares, ela perdeu a irmã, Dinaelza Santana, e o cunhado, Wandick Coqueiro. Desde a década de 1980, Diva participa da busca por ossos naquela região do norte do país e viu equipes cavarem covas onde poderiam estar não só seus familiares, mas também familiares de seus companheiros naquela luta. O ativista de direitos humanos integrou a Comissão Especial sobre Mortes e Desaparecidos Políticos, extinta no final do governo de Jair Bolsonaro e cujas medidas de reintegração estão atualmente suspensas no Palácio do Planalto.
“As mães dos desaparecidos, quase todas, já partiram sem saber como morreram os filhos ou onde foram enterrados. muito tempo sem respostas continuo participando dessas coisas, querendo lutar, e lutar, para que isso não aconteça de novo, nem com quem não tem noção e nem com quem é criança pobre, da periferia e negra” , disse Diva Santana, que considerou positiva a reunião com a CIDH.
Victoria Grabois é líder do Grupo Tortura Nunca Mais, no Rio. Ela agiu contra a ditadura, viveu na clandestinidade e ainda busca notícias sobre três familiares eliminados pelos militares no Araguaia. O pai dela (Mauricio Grabois), o irmão (André Grabois) e o marido (Gilberto Olímpio) estão desaparecidos. Ela também é autora de uma ação de duas décadas que ordenou ao Estado que tomasse medidas para localizar as vítimas dos militares.
“Já se passaram 50 anos de desaparecimento. A audiência desta semana é a terceira em que participei para obrigar o Estado a cumprir essas sentenças. Foi a mais frutífera, bastante produtiva. não tenho mais expectativas. Saio feliz, mas não sei se vai seguir em frente, não espero mais nada, senão nem estaria. aqui o encontro de familiares com os juízes do Tribunal.
A comitiva de familiares foi recebida em reunião no Palácio do Planalto por um assessor pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encarregado de reinstaurar a Comissão dos Desaparecidos e que frustrou a esquerda ao impedir que 60 anos de ditadura se concretizassem. sendo lembrado em cargos públicos. Cândido Hilário, representante do Planalto nesta conversa, prometeu levar a reivindicação do grupo ao chefe da Casa Civil, Rui Costa.
De uma geração mais jovem, a jornalista Jana Sá participou da mobilização. Ela é autora do documentário Não foi um acidente, eles mataram meu pai, Jana perdeu o pai, o ex-guerrilheiro do Araguaia Glênio Sá, em um acidente de carro em 1990. Glênio, mostram documentos oficiais da repressão, foi monitorado pelo regime militar até o ano de sua morte, mesmo onze anos após a Lei de Anistia e cinco anos desde o fim da ditadura. E já viveu a primeira eleição direta do país para presidente após 21 anos de exceção, em 1989.
“Essa agenda em Brasília foi mais um passo em uma longa trajetória de luta de familiares e vítimas da violência do Estado pela efetivação dos direitos humanos e pela centralidade das agendas de memória, verdade, justiça e reparação. a Comissão de Mortos e Desaparecidos, para o cumprimento das sentenças que condenam o Brasil e a reintrodução da Lei de Anistia pelo STF A memória é um espaço de luta pelo poder e sempre foi utilizada no Brasil como um projeto de silenciamento do Estado” , disse Jana Sá. .
Lorena Moroni Barroso é irmã de Jana Barroso, assassinada e desaparecida na guerrilha, e deu depoimento emocionado na Câmara durante a semana.
“Tudo o que sabemos sobre a Guerrilha do Araguaia veio da luta das mães. De onde elas tiraram forças, não sei. estão a desaparecer. Mas a reunião com a CIDH e os funcionários do governo já não há necessidade de defender a União a qualquer custo, como antes.
Também com um irmão morto na guerrilha, Antônio Theodoro de Castro, desaparecido até hoje, Maria Eliana Castro Pinheiro considerou a semana proveitosa e afirmou que os familiares renovaram a expectativa de que essas sentenças judiciais sejam cumpridas pelo governo.
No Ministério dos Direitos Humanos, familiares receberam a notícia de que, em cumprimento a decisão judicial, será criado um grupo de trabalho que irá, entre outras missões, trabalhar na identificação de um conjunto de 28 ossadas, que estão alojados na Universidade de Brasília (UnB).
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