Maria Beatriz Giusti*
No momento em que o Rio Grande do Sul vive uma tragédia sem precedentes, o efeito das mudanças climáticas causadas pela degradação ambiental, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado promoveu, ontem, uma audiência pública para debater uma proposta de emenda à Constituição que torna flexibilizar a preservação de todo o litoral brasileiro. A PEC 03/23 é considerada por ambientalistas e especialistas uma ameaça a áreas de equilíbrio ecológico, como manguezais, estuários e partes da Mata Atlântica ainda preservadas. Os defensores da proposta, porém, veem o assunto como fonte de criação de empregos e atração de investimentos.
A PEC 03/23 propõe a transferência dessas extensões costeiras, que pertencem à União, de duas formas: para entidades privadas — como resorts e condomínios — por meio de reembolso ao Tesouro Nacional; e aos estados e municípios gratuitamente. A chamada Terra Marinha inclui também áreas no entorno de ilhas e nas margens de rios e lagoas, numa faixa de 33m medidos a partir da posição da maré alta.
Embora o relatório elaborado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) não tenha data para votação, o debate sobre o tema chamou a atenção pela ênfase com que cada lado defendeu sua posição. Para a presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Leila Barros (PDT-DF), é preocupante que seja proposta a flexibilização das leis federais sobre meio ambiente no momento em que o país assiste ao drama dos gaúchos, motivado pela devastação ambiental.
“É uma medida que flexibiliza as leis ambientais e dificulta o combate às mudanças climáticas. Fico ainda mais perplexo ao ver o avanço desse tipo de iniciativa em um momento de calamidade ambiental que vivemos no Rio Grande do Sul. Afinal, para 99% dos brasileiros Segundo pesquisa da Quaest, as enchentes estão ligadas às mudanças climáticas. Quem está interessado nesta aprovação? perguntou o senador.
Em resposta, Flávio Bolsonaro argumentou que o repasse seria uma forma de gerar empregos, além de beneficiar moradores do litoral. “É do interesse dos moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, que estão em terras da União, e estamos tentando há muito tempo a entrega do título de propriedade. empregos O objetivo de todos nós, aqui, deve ser esse”, respondeu.
Neymar
A PEC 23/03 começou a chamar a atenção depois que veio à tona o envolvimento do jogador de futebol Neymar Jr., da seleção brasileira e da equipe saudita Al-Hilal, com uma incorporadora para o lançamento de 28 empreendimentos imobiliários no litoral do Nordeste. . Seria um investimento de R$ 7,5 bilhões. A proposta de emenda à Constituição favoreceria o surgimento de diversos negócios similares ao longo da costa brasileira. Uma das preocupações dos críticos do assunto é a possibilidade de “privatização” das praias — ou seja, que elas deixem de ser abertas a qualquer visitante e, sobretudo, às comunidades vizinhas de resorts e condomínios privados.
A coordenadora geral de Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marinez Scherer, afirmou que a transferência de Terras Marinhas para ocupantes privados é um “fardo” para a sociedade brasileira e um “bônus” para poucos. “Estamos indo contra o que o resto do mundo está fazendo pelo ecossistema”, criticou.
Em defesa da proposta, o deputado Alceu Moreira (MDB-RO) afirmou que a PEC “em nada afeta o que é a legislação ambiental brasileira”. O prefeito de Florianópolis, Topázio Neto (PSD), também é favorável ao texto e afirma que os municípios, ao longo dos anos, são os principais administradores e investidores nessas áreas.
“O facto de serem Terras Marinhas não elimina o facto de o município ter que fazer investimentos. Se forem privatizados não vai acabar com o compromisso do município”, explicou.
Prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSol) lembrou ao público que a capital paraense “convive há séculos” com a ocupação das Terras da Marinha. Ele destacou que há vários casos em que o ocupante desta área tem que pagar o imposto de ocupação à União e também o IPTU ao município.
“Não é combatendo a especulação imobiliária que temos que fazer injustiça social”, afirmou.
*Estagiário sob supervisão de Fabio Grecchi
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