O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu liberar parte das emendas parlamentares bloqueadas na semana passada por falta de transparência, principalmente as voltadas à Saúde. No entanto, criticou as explicações dadas pela Câmara e reiterou que a indicação dos recursos não atendeu aos requisitos legais acordados em agosto entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Além disso, as alterações que não couberem no comunicado serão definitivamente bloqueadas. O Correio entrou em contato com o Planalto e a Câmara para saber o valor total divulgado por Dino, mas não obteve resposta até o fechamento da edição.
Na decisão publicada no início da tarde deste domingo, o magistrado falou em “vergonha” no Orçamento e ressaltou que a liberação parcial visa evitar prejuízos aos serviços públicos e garantir segurança jurídica.
“A transparência é um dever em relação aos verdadeiros donos do dinheiro público destinado pelas emendas parlamentares. E é algo que fortalece a política como instância fundamental da sociedade. práticas orçamentárias tumultuadas ou impróprias”, escreveu ele.
Dino autorizou a execução das emendas da comissão comprometidas antes do bloqueio, que atingiram R$ 4,2 bilhões em repasses, ou seja, até 23 de dezembro. O comprometimento ocorre quando os recursos são reservados para um uso já planejado, e a execução ocorre quando o dinheiro é efetivamente gasto.
O juiz também permitiu que alterações obrigatórias voltadas à Saúde fossem comprometidas até esta terça e que os recursos depositados nos Fundos de Saúde de estados e municípios fossem movimentados até 10 de janeiro, mesmo sem a criação de contas bancárias específicas para cada alteração —uma das exigências regulamentos legais estabelecidos em agosto. Outras transferências que não se enquadram nessas categorias permanecem bloqueadas.
A decisão inicial de Dino suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões em 5.449 emendas indicadas no dia 12 de dezembro por meio de ofício assinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e 17 líderes partidários.
Em sua decisão, o ministro fez novas críticas à Câmara e argumentou que as explicações apresentadas não justificam o desrespeito às regras de transparência. “Ao examinar as petições apresentadas pela Câmara dos Deputados no dia 27 de dezembro, às 19h50, vejo o culminar de uma confusão em relação ao processo orçamentário — certamente inédita. constante do processo e — o mais grave — confronto com o ordenamento jurídico nacional”, enfatizou.
A Câmara negou ao STF ter cometido irregularidades e apresentou justificativas para o procedimento adotado na indicação das alterações. Porém, Dino apontou inconsistências. Por exemplo, as alterações das comissões foram indicadas por meio de carta assinada pelos líderes partidários, mas não foram aprovadas pelas comissões temáticas, o que é obrigatório. O funcionamento dos colegiados chegou a ser suspenso por Lira no mesmo dia em que as alterações foram indicadas, com a justificativa de focar os trabalhos nas discussões no plenário.
“Nulidade insanável”
Segundo Dino, há “uma nulidade irremediável” no documento que indicava as alterações, sendo “inviável a sua aceitação e acompanhamento, de modo que o Poder Executivo fica definitivamente proibido de cometer o que nele consta”.
O Legislativo, porém, não é o único alvo das críticas de Dino. Na decisão, ele cita uma “falha administrativa” do Ministério da Saúde em relação à criação de contas bancárias individuais para emendas destinadas à área. A regra foi definida em agosto, por sugestão do Tribunal de Contas da União (TCU), para facilitar a fiscalização dos recursos e evitar desvios de finalidade. Anteriormente, o valor era confundido com o fluxo de caixa de prefeituras ou estados.
Na avaliação de Dino, o ministério apenas fez adaptações na plataforma transferegov.br, sem criar contas específicas. Uma decisão anterior do magistrado dirigida à Advocacia-Geral da União (AGU) determinou que o governo federal explicasse a demora na criação dos fundos.
Outro ponto reforçado por Dino em sua decisão é a necessidade de investigação sobre possíveis crimes cometidos na distribuição das emendas. Um inquérito já foi aberto pela Polícia Federal para avaliar o caso e, para o magistrado, sua necessidade “fica cada dia mais clara”. No entanto, afirmou que não é possível falar em ações criminosas no momento e que não nega que outros fatores tenham levado a irregularidades nas transferências.
“Gostaria de ressaltar que não se pode descartar que se trate apenas de interpretações equivocadas, de erros administrativos ou de imposições políticas a conselheiros qualificados e respeitáveis da Câmara. Mas também pode haver outras tipificações, sobre as quais qualquer julgamento de valor — neste momento processual momento — seria prematuro e impossível”, declarou Dino.
Ao concluir o documento, o ministro do STF rebateu a reação negativa dos parlamentares após o bloqueio de emendas e ameaças de retaliação ao Supremo e até ao governo federal no início do ano Legislativo, em fevereiro. Dino argumentou que não houve interferência nas competências do Congresso, apenas cumprimento da legislação.
“Este é um dever indispensável do STF: garantir que não haja reinado de vontades individuais ou imposição de práticas relativas ao constitucionalismo abusivo, de caráter autoritário e desvinculado do interesse público”, enfatizou. “Mais do que ameaças inúteis ou ‘retaliações’, o diálogo institucional sincero e o cumprimento das normas legais são os caminhos corretos a seguir em favor dos interesses legítimos da nação”, escreveu.
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