Nos últimos dois anos, Brasília se deparou com um terror que a população pouco conhece. Apesar de ter sido palco de problemas com a atuação de gangues e grupos criminosos, principalmente na década de 1990 e início dos anos 2000, a violência na capital federal ficou restrita a situações urbanas fora do cenário político e eleitoral. No entanto, desde 2022, o centro do poder tornou-se um alvo. A polarização na política registrada em todo o Brasil chegou ao Distrito Federal em forma de radicalismo e, após o resultado das eleições, foi traçada uma meta pelos extremistas na cidade de três milhões de habitantes.
Os atos de radicalismo começaram no dia 12 de dezembro de 2022. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice Geraldo Alckmin receberam diplomas durante a manhã no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Horas depois, o cacique José Acácio Serere Xavante foi preso, acusado de incitar ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), a ministros da corte e ao presidente Lula. A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que Xavante se aproveitou de sua condição indígena para incitar atos antidemocráticos de indígenas e não indígenas.
Após sua prisão, começaram a se espalhar rumores nas redes sociais de que o homem havia morrido. Um grupo de extremistas tentou então invadir a sede da Polícia Federal em Brasília. Houve uma tentativa de vandalização do edifício, os autocarros do transporte público foram destruídos e as ruas da capital foram vandalizadas. Apesar de todo o rastro de destruição deixado, ninguém foi preso naquele dia, o que gerou críticas à Polícia Militar do Distrito Federal.
Na época, o Ministro da Justiça era Anderson Torres, que foi preso sob acusação de participação na tentativa de golpe de Estado e omissão em relação aos atos de 8 de janeiro ocorridos no ano seguinte. No dia 15 de dezembro de 2022, segundo a Polícia Federal, militares de alta patente do governo, das Forças Armadas, com a participação ativa de homens do Grupo de Operações Especiais, os chamados Kids Pretos, tentaram realizar um golpe de estado.
O objetivo era matar o presidente Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, ambos eleitos recentemente. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, também foi alvo. O plano, meticulosamente detalhado em mensagens compartilhadas via WhatsApp encontradas nos celulares do tenente-coronel Mauro Cid, do general Mário Fernandes e outros, foi abortado na última hora por questões logísticas.
Bomba no aeroporto
Menos de 10 dias depois, em 24 de dezembro, uma bomba foi acoplada a um caminhão-tanque que transportava 60 mil litros de querosene. O alvo era o Aeroporto de Brasília, onde se esperava que o aparelho explodisse e causasse uma tragédia sem precedentes. Chamada pelo caminhoneiro, a Polícia Militar desativou a bomba. Wellington Macedo de Souza, George Washington de Oliveira Souza e Alan Diego dos Santos Rodrigues foram presos. A PF aponta que Washington participou de um acampamento golpista montado no Setor Militar Urbano.
Três semanas depois, no dia 8 de janeiro, extremistas que estavam acampados desde novembro no Quartel-General do Exército e outros que chegaram nas 48 horas anteriores, desceram à Esplanada, não encontrando barreiras e destruíram o quartel-general dos Três Poderes. A partir daí, seguiu-se uma série de prisões, resultando em 1.300 ações criminais contra os envolvidos, julgamentos no Supremo e condenações ou acordos de não persecução penal em casos de crimes mais simples.
Porém, o STF acabou assumindo a liderança na reação à tentativa de golpe, pois cabia à Justiça punir os criminosos. Quando a tensão política parecia ser menor, em relação à distância das eleições, registou-se outra ameaça. Francisco Wanderley Luiz, no dia 13 de novembro de 2024, foi à Esplanada com um cinto de explosivos. Fora da Câmara, deixou um carro carregado de fogos de artifício. Ele então se dirigiu ao Supremo Tribunal Federal, onde, ao ser abordado por um dos seguranças, começou a atirar artefatos para tentar destruir a Estátua da Justiça.
Um dos explosivos detonou próximo à sua cabeça e o matou. Em Ceilândia, a PM encontrou uma casa com diversos artefatos, um deles explodiu quando um robô desarmador de bombas enviado pela polícia entrou nela. A Asbin, que representa integrantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), afirmou que a falta de investimento em inteligência, a interrupção do projeto de instalação de câmeras na Esplanada e outros fatores dificultam o monitoramento e a prevenção desse tipo de ataque. Ao contrário do que era a tradição brasileira, o centro do poder tornou-se alvo de terror e ameaça à estabilidade democrática, o que suscita temores de que novos atos deste tipo ocorram no futuro.
Democracia ameaçada
Durante os acontecimentos de 8 de janeiro, o Supremo Tribunal Federal foi liderado pela ministra Rosa Weber. No dia, ela ligou para autoridades dos Três Poderes e participou de uma caminhada pela Praça dos Três Poderes para destacar que as instituições continuavam funcionando. Rosa lançou a campanha “Democracia Inabalável”, para garantir que a depredação não parasse o regime democrático.
Quase dois anos depois dos ataques, o STF está sob a liderança do ministro Luís Roberto Barroso. Em conversa com o Correio, ele alerta que há um momento ameaçador para a democracia no mundo. “A democracia em todo o mundo atravessa um momento delicado e ameaçador, devido à ascensão do extremismo intolerante, que utiliza o discurso de ódio, a desinformação e as mentiras deliberadas como estratégia de ação política. Tudo acompanhado de incivilidade, desrespeito às instituições e às pessoas”, ele diz.
Barroso afirma que o golpe foi derrotado, mas destaca que é preciso manter vigilância constante. “No Brasil, isso parece ter sido superado, com a derrota do golpe e a preservação das instituições democráticas consagradas na Constituição de 1988, mas devemos permanecer alertas. Preservar a democracia é um exercício diário, lembrando sempre que o regime democrático tem há espaço para todas as correntes político-ideológicas, mas não há lugar para quem não está disposto a respeitar as regras do jogo”, destaca.
No dia 29 de dezembro do ano passado, a Polícia Civil do Distrito Federal prendeu um homem suspeito de planejar um ataque em Brasília. O homem, identificado como Lucas Ribeiro, foi alvo de denúncias anônimas. Ele foi preso na Bahia, em local próximo à divisa com Goiás. Nas redes sociais, onde afirmou ser corretor de imóveis, Lucas publicou diversas mensagens nas quais mencionava a intenção de realizar ataques violentos na capital. A prisão foi realizada pela Divisão de Prevenção e Combate ao Extremismo Violento, da Polícia Civil do DF. O grupo foi criado pelo governo distrital após os atentados do STF.
Um dia antes, a PMDF abordou Fabrizio Domingos Costa Ferreira, 46, que falava de forma desconexa e teria ameaçado explodir o Quartel-General do Comando Geral (QCG) da corporação e a Superintendência Regional da Polícia Federal (PF-DF). Segundo a PM, porém, nenhum explosivo foi encontrado com o suspeito, que foi entregue à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
O governo também instalou uma operação especial, que vai do final de dezembro até 12 de janeiro. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) reuniu presencialmente uma célula de inteligência até o próximo domingo. O grupo reúne instituições de segurança distritais e federais para trocar informações e coordenar ações.
Além das Polícias Civil e Militar, participarão representantes da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Gabinete de Segurança Institucional, Comando Militar do Planalto e seguranças da Câmara, Senado e STF.
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Radicalização
O cientista social Fábio de Sá Silva, professor de Estudos Brasileiros da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, pesquisador de Justiça, segurança pública e crise democrática, destaca que há um processo de radicalização em curso no país, que precisa ser contido .
“A definição de terrorismo na legislação brasileira excluiu propositalmente os ataques com motivação política, razão pela qual há hesitação entre os juristas em qualificar desta forma os atos de Tiu França. Mas, em geral, há um processo de radicalização no país que tem dado origem a cometendo atos violentos que visam causar terror. Portanto, podemos dizer que, em termos de repertório de ação política, já estamos atravessando uma fronteira e entrando neste terreno delicado”.
Para ele, o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal não é o que atrai atos de extremismo. “O STF, assim como os demais Poderes, nunca vai agradar a todos com suas decisões. Eu mesmo não gosto de várias decisões do STF. Mas são decisões que, numa democracia, você aceita, critica e tenta reverter através meios institucionais. Às vezes, isso pode levar tempo, mas é assim que funciona. Acredito que o extremismo não vem do Supremo, mas de quem pensa que, se o STF não lhes agrada, deveria ser fechado ou fechado. subjugado pela vontade de um suposto povo”, acrescenta Fábio. .
O advogado Alexandre Pontieri, que atua nos tribunais superiores desde 2006, afirma que o Supremo entende que houve tentativa de derrubada da democracia. Nestes casos, as penalidades costumam ser maiores. “O entendimento que prevaleceu e vem prevalecendo no STF é que houve a intenção de derrubar o governo eleito democraticamente pelo povo nas eleições de 2022. Um dos entendimentos da Corte seguiu a linha de que se tratava de crime de autoria coletiva, onde a execução é numerosa”, destaca.
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