As eleições autárquicas deste ano, que se aproximam, prometem uma maior ligação com o cenário nacional do que as eleições anteriores. Embora a disputa pelas prefeituras tenda a envolver mais reivindicações das próprias cidades, o embate entre dois projetos — e lideranças eleitorais — importantes na política nacional já respalda a estratégia dos pré-candidatos.
O apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-presidente Jair Bolsonaro serão fatores essenciais na disputa, pelo menos nas maiores cidades. Os dois já montaram plataformas antecipadamente nos municípios considerados prioritários, respeitando — ou não — as regras da pré-campanha.
A maioria das viagens de Lula até agora se concentrou no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, os três maiores colégios eleitorais. Na capital paulista, subiu ao palanque ao lado do deputado Guilherme Boulos (PSol-SP), pré-candidato a prefeito, e ainda pediu votos durante cerimônia do Dia do Trabalho, o que gerou reclamações sobre campanha antecipada —na prática , pedir votos explicitamente é a única coisa proibida nesses eventos. Em Araraquara, também em São Paulo, o presidente também elogiou seu aliado de longa data Edinho Silva, prefeito da cidade, que tenta eleger seu sucessor.
Dentro do PT, a estratégia é incluir as conquistas do governo Lula nas campanhas municipais. O partido vê uma oportunidade de se recuperar da derrota da última eleição, em 2020, quando não conseguiu eleger prefeitos nas capitais pela primeira vez desde a redemocratização. O total de prefeituras também atingiu o menor patamar em 16 anos, com 183 municípios.
Para o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), pré-candidato a prefeito de Belo Horizonte, a estratégia petista de vincular candidatos ao presidente Lula passa por demarcar o projeto político de esquerda, mas também passa por atender aos interesses dos municípios.
“Isso não basta. Tem muita coisa que precisa ser feita nas cidades que precisam de apoio do governo federal. Infraestrutura, obras do Novo PAC. O que eles vão conseguir brigando com o governo? Querendo ou não, ter um bom relacionamento ajuda as cidades”, afirmou.
Ele avalia também que, embora o bolsonarismo ainda tenha muitos adeptos, a tendência é que ele perca força à medida que se desenrolam as investigações em que está envolvido, como a suspeita de tentativa de venda de joias da Presidência da República e fraudes com cartões. vacinas para seus familiares. “Bolsonaro deverá ser indiciado nos próximos dias pelas joias. Até outubro ele estará debilitado, isto se já não estiver preso. Acho que muitos apoiadores de Bolsonaro terão até vergonha de defendê-lo nas eleições”, frisou. .
Cabo eleitoral
Bolsonaro também mantém uma agenda intensa de viagens para cidades estratégicas. No Rio de Janeiro, participou do lançamento da candidatura do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que disputa a prefeitura do Rio. Na sexta-feira, ele se reuniu com o atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e reforçou seu apoio. “Continuo fechado com Ricardo Nunes. O meu nome, espero que seja usado para candidatos do meu partido ou de partidos aliados que nos apoiam”, declarou na altura.
Em maio, ele também participaria do lançamento da pré-campanha de Bruno Engler (PL) à Prefeitura de Belo Horizonte, mas cancelou a viagem para tratar a erisipela, infecção de pele causada por uma bactéria. Engler adiou o lançamento e disse esperar uma nova oportunidade para a visita do ex-presidente. A expectativa é que Bolsonaro retome em breve sua agenda de viagens. O PL espera ganhar mil prefeituras na disputa, e o ex-presidente participa diretamente da coordenação, inclusive na escolha dos nomes lançados —ou apoiados— pelo partido.
O líder da oposição na Câmara, deputado Filipe Barros (PL-PR), avalia que a nacionalização é uma reivindicação dos próprios eleitores, e que a eleição será a “precursora” da disputa nacional em 2026. “Vemos uma movimento cada vez mais de eleitores querendo saber dos pré-candidatos de hoje se estão alinhados aos princípios e valores da direita, ou se ainda acreditam no lulopetismo”, explicou o parlamentar.
Chegou a se lançar como pré-candidato a prefeito de Londrina, mas o partido acabou fechando acordo para apoiar o deputado estadual Tiago Amaral (PSD). Para ele, pelo menos nas grandes cidades, os candidatos precisarão equilibrar os cenários nacional e municipal. “As agendas locais, digamos assim, devem “concorrer por espaço” com as questões nacionais, numa equação desafiante para pré-candidatos de todos os espectros político-ideológicos”, apontou.
Grandes cidades
Analistas apontam que o cenário nacional de disputa entre Lula e Bolsonaro, e seus respectivos projetos, acabará obrigando os candidatos municipais de algumas cidades a tratarem de assuntos que normalmente não seriam discutidos nos municípios. “Sabemos que não há apenas problemas locais em discussão, mas essas agendas acabam ganhando apoio de grupos organizados nesses locais”, disse Luciana Santana, professora de ciência política da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), citando as maiores cidades , como Fortaleza, Porto Alegre e Recife.
Ela destaca, porém, que a maioria dos municípios brasileiros, que são pequenos, não segue essa lógica e possui arranjos políticos que nem sempre fazem sentido para quem olha apenas para o cenário nacional. “Há até casos de pessoas do PL que podem ser próximas de pessoas do PT”, relatou. Apesar da disputa polarizada, Luciana destaca ainda que os grandes vencedores da eleição devem ser os partidos do Centrão, que têm grande alcance em municípios menores. “Olhamos muito para Lula e Bolsonaro agora, mas se olharmos para o Congresso, os embates envolvem pautas que agradam muito mais ao Centrão e estão lhe dando visibilidade”.
A advogada e cientista política Nauê Bernardo também acredita que os candidatos serão obrigados a lidar também com agendas nacionais, sobre temas que muitas vezes nem são da competência das prefeituras. “Para convencer esses eleitores que hoje se encontram em meio a esse turbilhão de notícias sobre o cenário nacional. E também para não ficarem para trás em discursos ideológicos, de costumes, que muitas vezes nada têm a ver com a resolução ou não dos problemas locais”, disse o analista.
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