O musical brasileiro Profissão: Esperança foi uma lufada de ar fresco no ambiente carregado dos anos de chumbo do regime militar. Desde então, o espetáculo criado por Paulo Pontes, jovem e talentoso dramaturgo, foi encenado diversas vezes, em versões com Maria Bethânia e Ítalo Rossi (1971), Clara Nunes e Paulo Gracindo (1973) e Bibi Ferreira, viúva de Paulo Pontes, e Gracindo Jr. (1998). A mais recente foi a de Claudia Netto e Claudio Botelho, no Teatro Clara Nunes, em 2021, que comemorou os 50 anos do espetáculo.
O texto de Paulo Pontes e as músicas de Dolores Duran e Antônio Maria resgataram um Brasil que parecia definitivamente perdido na década de 1970, incerto e inseguro, mas ao mesmo tempo cheio de esperança. O espetáculo revelou um aspecto, digamos, antropológico da vida brasileira, cuja recorrência ocorre com frequência: acreditar que a vida pode melhorar, em qualquer contexto.
Inspirado nas crônicas de Antônio Maria e nas canções de Dolores Duran, seu parceiro, Paulo Pontes nos deixou uma obra-prima da dramaturgia brasileira. Seus protagonistas morreram muito jovens: Dolores; aos 29 anos, em 1959; Maria, aos 43 anos, em 1964; Paulo Pontes, aos 36 anos, em 1976. Porém, o espetáculo marcou as gerações seguintes, como Chico Buarque, que ontem completou 80 anos, parceiro de Pontes em Gota d’água (1975), com música de Dori Caymmi, e autor de Ópera do Malandro (1978), dedicado ao amigo dramaturgo.
Quem quiser explorar pode encontrar a gravação ao vivo da versão interpretada por Clara Nunes e Paulo Gracindo, em LP (1974) ou CD (1997), com o repertório completo: Antiga Ternura (Dolores Duran e Ribamar), Ninguém me ama (Antônio Maria), Valsa de uma Cidade (Antônio Maria e Ismael Netto), Big Boy (Antônio Maria), Estrada do Sol (Tom Jobim e Dolores Duran), A Noite do Meu Bem (Dolores Duran), Manhã de Carnaval (Luiz Bonfá e Antônio Maria), Frevo nº 2 no Recife, Saudade (Antônio Maria), Castigo (Dolores Duran), Fim de caso (Dolores Duran), Por sua causa (Tom Jobim e Dolores Duran), Na rua (Dolores Duran e Ribamar ), Canção da volta (Antônio Maria e Ismael Netto), Suas mãos (Pernambuco Ayres da Costa Pessoa e Antônio Maria), Solidão (Dolores Duran), Se eu morresse amanhã (Antônio Maria) e Noite de paz (Dolores Duran).
Foi uma bolacha fina num momento político muito negro da vida nacional, o governo do general Garrastazu Médici, cuja violenta repressão à oposição foi ofuscada pela vitória da Taça do México em 1970 e pelo chamado “milagre económico”, o que levou a classe média a se sentir no paraíso – até a conta chegar. Na imaginação reacionária do ex-presidente Jair Bolsonaro, este teria sido o melhor momento da história do Brasil.
A melancolia de Dolores Duran, porém, em Noite de Paz, antecipou aquele momento dramático, quando pede ao Senhor uma noite comum em que possa descansar, sem esperança e sem sonhos: “Por apenas uma noite como esta posso trocar/Tanto faz Tenho do mais puro e sincero/ Uma única noite de paz para não lembrar/ Que não devo esperar e ainda tenho esperança.”
De onde isso vem
Foi uma situação muito, muito pior do que aquela que vivemos durante o governo Bolsonaro, marcado pela pandemia. Ainda mais diante das ameaças de retrocesso em relação aos direitos sociais e às políticas públicas, liderado por um Congresso conservador que parece ter perdido a noção de que representa o conjunto da sociedade, incluindo as minorias, e não uma ideologia “iliberal”, em que a maioria se impõe pela força.
A posição ambígua do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao equilíbrio fiscal ajuda a tecer o arco de oposição ao governo, que inclui uma parcela significativa da classe média e a maioria da comunidade empresarial. Essa realidade aparece na pesquisa Datafolha divulgada nesta terça-feira, pelo jornal Folha de S.Paulo, embora a aprovação de Lula permaneça estável quando comparada à rodada anterior, realizada em março, oscilando de 35% a 36%; enquanto a desaprovação caiu de 33% para 31%; e a avaliação regular passou de 30% para 31%. A avaliação é mais negativa entre quem ganha mais de dois salários mínimos, entre os evangélicos e nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte do país.
E a esperança brasileira? Na pesquisa, 40% dos entrevistados acreditam que a situação económica do país vai melhorar, em comparação com 28% que prevêem que vai piorar — estão tecnicamente empatados com aqueles que dizem que a situação permanecerá como está. Quem não sabe é 5%. São provenientes das mulheres, com saldo positivo de 10 pontos, enquanto entre os homens é de 1 ponto. Entre os mais pobres, que ganham até dois salários mínimos: 18 pontos de diferença entre ruim e péssimo (entre os ricos, é 18 pontos a menos).
Entre as donas de casa, essa diferença positiva é de 19 pontos, o dobro da média das mulheres; entre os aposentados, 23 pontos. Lula tem nota excelente e boa de 48% no Nordeste e mudou a nota no Sul do país, onde agora tem 36% de aprovação, contra 33% de ruim e péssimo e 30% de regular, devido ao seu ação forte para ajudar os gaúchos. Os mais jovens (47%), os menos instruídos (50%) e os católicos (45%) são os mais optimistas.
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