A Autoridade Nacional de Proteção de Dados proibiu a Meta — dona das redes sociais Facebook e Instagram, além do aplicativo de mensagens WhatsApp — de utilizar dados de usuários brasileiros para treinar suas plataformas de inteligência artificial (IA). O motivo é que a ANPD identificou irregularidades na nova política de privacidade da empresa gestora das plataformas, que considera de alto risco e de difícil acesso aos usuários.
De acordo com o texto publicado em Diário Oficial da União (DOU) de ontem, a medida exige a “suspensão imediata no Brasil (…) da validade da nova política de privacidade da empresa, no que diz respeito à parte relativa ao uso de dados pessoais para fins de treinamento de sistemas generativos de IA”.
Para a ANPD, a Meta não foi transparente quanto ao tratamento de dados e dificultou o processo para os usuários proibirem o uso de suas informações pessoais em modelos de linguagem. Além disso, segundo o órgão, há preocupações com o uso de dados de crianças e adolescentes nas plataformas.
A decisão foi tomada com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2021. A multa diária pelo descumprimento da proibição é de R$ 50 mil.
A nova diretriz de uso de dados da Meta permite que informações públicas e conteúdos compartilhados pelos usuários sejam aproveitados para treinar sistemas de IA. Para a ANPD, essa mudança feita pelo gestor da plataforma não foi amplamente divulgada e abrange todos os usuários.
Mensagem para plataformas
A advogada Patrícia Peck, especialista em Direito Digital, considera a decisão da ANPD um recado para todas as empresas que administram plataformas de internet levarem a sério a proteção de dados pessoais. “O caso envolve principalmente questões relacionadas ao princípio da transparência, de comunicação prévia e clara ao titular sobre o tratamento dos dados para fins de instrução algorítmica. E também para evitar a possibilidade de violação das liberdades individuais dos titulares”, explica. .
O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) acredita que a medida é uma vitória importante, dados os riscos e graves danos que a população poderá sofrer. “Nesse sentido, é fundamental que a ANPD mantenha a mesma postura diligente ao longo da condução do caso”, enfatiza a instituição.
Leila Bergamasco, coordenadora de Ciência da Computação e Ciência de Dados e IA da Fundação Educacional Inaciana (FEI), destaca que diversas empresas que trabalham com IA utilizam dados pessoais para seus negócios sem explicar por que o fazem. “Não ficou claro quais seriam esses dados. Foram citadas fotos e legendas, mas isso poderia incluir outros dados, como e-mail, idade e sexo. Outro ponto foi a dificuldade de se opor ao uso desses dados. Precisa ser fácil para o usuário recusar o uso”, enfatiza.
Por sua vez, Meta lamentou a proibição e garantiu maior transparência na formação de produtos de IA. “Estamos decepcionados com a decisão da ANPD. O treinamento em IA não é exclusivo dos nossos serviços e somos mais transparentes do que muitos players deste setor que usaram conteúdo público para treinar seus modelos e produtos. Nossa abordagem está em conformidade com as leis e regulamentos de privacidade em Brasil, e continuaremos a trabalhar com a ANPD para atender às suas preocupações. Isso é um retrocesso para a inovação e a competitividade no desenvolvimento da IA e atrasa a chegada dos benefícios da IA às pessoas no Brasil”, afirma a empresa.
Falta de clareza
A atualização do Meta em seus termos de uso para permitir melhorar sua IA por meio da análise de postagens feitas por usuários nas redes sociais — incluindo textos e fotos — deixou mais perguntas do que respostas. No Brasil, nenhuma data foi informada antecipadamente aos usuários para o início da prática.
A única pista que indica que a empresa começou a usar dados de brasileiros é a partir de 22 de maio, quando foi publicado o formulário para os usuários indicarem que não desejam que seus dados sejam usados pela IA. No mesmo dia, foi publicado comunicado informando sobre a mudança na política de utilização dos usuários.
Na União Europeia, a Meta tinha planos de lançar a nova política de privacidade da UE em 26 de junho. Mas recuou após enfrentar críticas de usuários e autoridades.
Com a mudança, as publicações no Facebook e Instagram seriam utilizadas para inteligência artificial generativa desenvolver “conhecimento” para produzir texto. Embora a empresa já utilize IA há anos, os dados dos usuários também seriam usados para alimentar modelos capazes de gerar textos e imagens — tudo para que, em um futuro próximo, a Meta possa lançar seu “ChatGPT”. Para tanto, seriam utilizadas postagens feitas publicamente.
*Estagiário sob supervisão de Fabio Grecchi
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