Num piscar de olhos, a Câmara dos Deputados aprovou, ontem, em dois turnos, a proposta de emenda à Constituição (PEC), que perdoa dívidas tributárias de mais de cinco anos de partidos políticos e permite o refinanciamento de outras multas aplicadas para festas . Essas dívidas partidárias são decorrentes de desvios e erros na prestação de contas dos recursos dos fundos partidários e eleitorais, principalmente do descumprimento de cotas destinadas às mulheres e aos pretos e pardos.
A PEC será enviada ao Senado. A mudança deverá entrar em vigor nas eleições deste ano. R$ 4,9 bilhões para financiamento de campanha em 2024 serão distribuídos entre 29 partidos, conforme estabelece a Lei Eleitoral. O PL é o partido que receberá a maior fatia — 18% do fundo —, seguido pelo PT (13%) e União Brasil (11%). A PEC é uma autoanistia por má gestão de recursos públicos e subfinanciamento de candidaturas de mulheres, pretos e pardos.
A PEC 9/23 criou uma espécie de Refis (refinanciamento de dívidas) para partidos políticos, seus institutos ou fundações, para quitar dívidas com isenção de juros acumulados e multas, aplicando apenas correção monetária aos valores originais.
O deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP) foi o relator do texto. A PEC considera cumprida a aplicação de qualquer montante de recursos em candidaturas de pretos e pardos nas eleições ocorridas até a promulgação da futura emenda constitucional. No entanto, o partido terá de aplicar, nas quatro eleições seguintes à promulgação da alteração, e a partir de 2026, a diferença em relação à quota que não foi cumprida nas eleições anteriores.
Há muita hipocrisia na narrativa adotada para justificar a decisão. Por se tratarem de recursos públicos, cuja execução segue a legislação geral, os parlamentares optaram por uma emenda à Constituição, para evitar que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerasse a nova legislação inconstitucional.
O principal argumento é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2020, estabeleceu regras impraticáveis, ao obrigar os partidos a distribuir recursos do Fundo Partidário, o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC); e o tempo de publicidade eleitoral gratuita no rádio e na TV proporcionalmente ao número total de candidatos negros que o partido apresentar para a disputa eleitoral. Esse percentual foi limitado a 30%.
Os mais afetados, mulheres e negros, já estão sub-representados na política. Nos últimos anos, mesmo não tendo sido integralmente cumprida, a legislação revogada criou condições para o aumento da participação de mulheres e negros em cargos nos Poderes Legislativo e Executivo. O programa de recuperação fiscal (Refis) criado permitirá aos partidos políticos, seus institutos ou fundações quitarem suas dívidas sem juros e multas.
Bilhões em multas
A Transparência Partidária estima que o valor total das multas poderá chegar a R$ 23 bilhões, mas ainda não há valor oficial sobre o valor. A PEC já havia sido levada ao plenário outras vezes —a última na semana passada—, mas os deputados não tiveram coragem de votar e decidiram aguardar um momento mais oportuno. Esta semana, com a aprovação do regulamento da reforma tributária, cujo maior destaque foi a inclusão da carne na cesta básica, os líderes da Câmara se sentiram mais confortáveis para aprovar a emenda constitucional.
A PEC ficou marcada de um dia para o outro. Não respeitou os interstícios previstos no regimento da Câmara, para que pudesse ser aprovado antes do recesso. Apenas Novo e PSol se manifestaram contra a proposta. Há uma brecha para perdoar siglas que não fizeram os pagamentos mínimos para mulheres e candidatos negros nas eleições de 2022. O Congresso já havia promulgado uma emenda que anistia siglas que cometeram esse tipo de irregularidade em eleições passadas.
As repercussões são muito negativas. Assim que a lei foi aprovada, a Educafro Brasil, entidade que luta pela equidade social e defende a representação do povo negro na política, emitiu nota repudiando a decisão: “representa um retrocesso inaceitável” e um “flagrante desrespeito às conquistas arduamente conquistado pela população afro-brasileira no campo político”. A entidade pretende recorrer à Justiça contra a medida.
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