Michelin no Brasil – A semana foi cheia de frisson e comemorações pela gastronomia brasileira. Após 4 anos, o Guia Michelin voltou ao Brasil para anunciar as desejadas estrelas desta mais prestigiada e importante premiação do setor. Em 1920 o guia foi vendido por 7 francos, e já incluía uma lista de hotéis e restaurantes de Paris. Cresceu entre os amantes da culinária francesa e a partir de 1926 passou a premiar restaurantes com estrelas. Mais de um século depois, o guia reinventa-se dentro da sua própria essência: a melhor recomendação de locais turísticos feita por inspectores anónimos (de várias partes do mundo) e com critérios claros.
Na indicação mais recente no Brasil, o fato de apenas restaurantes de duas cidades terem recebido estrelas chamou a atenção de muita gente. Como em um país com a diversidade gastronômica do Brasil só podem ser avaliados restaurantes de dois grandes centros? Como podem ter sido deixadas de lado capitais reconhecidas pela UNESCO como Cidades Criativas da Gastronomia, como Belo Horizonte, Florianópolis, Paraty e Belém? Porém, isso ficou bem claro no nome da premiação desta semana: Guia Michelin São Paulo e Rio de Janeiro.
Investimento
Desde a década de 1920, o Guia Michelin já era um guia turístico sofisticado, que começou a ganhar cada vez mais credibilidade em suas recomendações gastronômicas, divulgando dúvidas, preservando os nomes dos fiscais, como faz hoje. Como a receita para manutenção da publicação provinha do próprio guia impresso, a mudança para o digital trouxe novas perspectivas para a manutenção e viabilidade do prêmio. Hoje, para ter um Guia Michelin, as cidades investem na chegada de fiscais e na festa de premiação, ou seja, o guia está cada vez mais focado na promoção do turismo. Foi o que fizeram diversas cidades ao redor do mundo, como fizeram o Rio de Janeiro e São Paulo no Brasil.
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É necessário compreender que a promoção turística é um investimento de médio/longo prazo. Participação em feiras, formação de agentes de viagens, viagens de conhecimento com jornalistas, comunicadores e influenciadores, fazem parte das estratégias de cada local no seu posicionamento de marketing turístico. O fato é que cidades como Rio de Janeiro e São Paulo colocaram em pauta a importância da promoção do turismo por meio da gastronomia. Daí a chegada da premiação mais tradicional do setor.
Em feiras e eventos dos quais participo ao redor do mundo, tenho incentivado gestores de turismo no Brasil a olharem mais de perto para a gastronomia. É de extrema importância elevar os insumos e técnicas culinárias brasileiras a categorias estelares, para consumo refinado e criterioso de especialistas e conhecedores. Na WTM Londres, a Embratur – Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, realizou uma mostra de cozinha para apresentar aos profissionais do setor a diversidade da gastronomia brasileira: de norte a sul. A gastronomia de cada local é única e, portanto, uma excelente estratégia de diferenciação e destaque competitivo para o turismo de qualquer cidade.
Primeira vez em Portugal e Argentina
Portugal este ano teve um guia dedicado apenas aos restaurantes do país. Até 2022, as empresas portuguesas partilhavam espaço com as espanholas. O país investiu 800 mil euros na promoção do turismo gastronómico com o guia. Outro país que investiu na promoção do turismo através da Michelin foi a Argentina. As cidades que receberam fiscais que premiaram restaurantes em 2023 foram Buenos Aires e Mendonza.
Embora novas cidades tenham celebrado seus nomes na lista do Guia Michelin, outras ainda avaliam a promoção direcionada a apenas alguns empreendimentos e não a toda a comunidade empreendedora. É o caso da cidade de Boston, nos Estados Unidos, que se recusou a pagar para ter o City Guide, porque, segundo Martha Sheridan, CEO do MeetBoston, em entrevista ao Boston Eater, não fazia sentido pagar para promover apenas parte dos restaurantes da cidade. E assim, apesar de cosmopolitas e repletos de endereços gastronômicos, os restaurantes de Boston não possuem uma única estrela no portal Michelin.
O Guia Michelin não parou no tempo
É preciso realmente avaliar se faz sentido promover a cidade investindo na gastronomia de luxo local. O fato é que o Guia foi se renovando ao longo dos anos, ampliando as premiações. Desde 1997, passou a premiar restaurantes onde o custo-benefício é uma ótima dica, o Bib Gourmand, certamente, atingindo um público maior nesses locais. Em 2020, outra mudança importante: restaurantes com práticas sustentáveis também foram incluídos nas avaliações, com a Michelin Green Star (a estrela verde).
Estamos vivendo uma época de muitas críticas, premiações, curadorias, inclusive em publicações regionais, o que é muito bom para a gastronomia local. Mas é também uma pressão para chefs e empresários que querem ver as suas salas cheias de clientes, saboreando os seus talentos, receitas, ingredientes, principalmente quando não veem os seus nomes nessas listas. Em mais uma cerimônia de premiação em que foram escolhidos os 100 melhores restaurantes do Brasil, uma dúvida foi levantada nas redes sociais pelo empresário hoteleiro Diego Túlio: como explicar que entre os 100 melhores restaurantes do Brasil nenhum é catarinense?
Michelin no Brasil
Rio de Janeiro e São Paulo estão de parabéns pelo trabalho realizado como um todo. Restaurantes e hotéis icônicos iluminam o nome do Brasil em todo o mundo. Um exemplo a ser seguido por gestores de outras cidades e estados brasileiros. Precisamos ter mais avaliadores do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil nas premiações. Ao mesmo tempo, os gestores das políticas públicas de turismo precisam compreender a importante influência da culinária local na promoção do turismo.
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Embora não seja um Guia Michelin Brasil como queríamos, ter cidades como Rio e São Paulo representando a gastronomia brasileira é motivo de comemoração. Que novos guias Michelin se espalhem pelo Brasil, que restaurantes de norte a sul sejam premiados. Não depende apenas de você, chef. Não há nada de errado aí.
A máxima de que o turismo gera muitos empregos diferentes, atrai capital, precisa estar associada à gastronomia e às suas diversas possibilidades. Não é preciso inventar muito para investir em turismo gastronômico. Basta entender que esta é uma questão cultural, que envolve muitos atores, que destaca muitas pessoas, e sem dúvida é uma política de Estado. E muitos futuros. Pense nisso!
Thiago Paes é colunista de Turismo e Gastronomia, apresentador de TV do canal Travel Box Brazil e está nas redes sociais como PaesPeloMundo – contato@paespelomundo.com.br
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